quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei (2008)

Foto 1 - Wilson Simonal

A emergência e o declínio de uma estrela é disso que trata Ninguém sabe o duro que dei. No entanto, nas entrelinhas, é tocado no tema do racismo – fenômeno tão característico da sociedade brasileira –, e na sua vida desregrada, de uma pessoa que ascendeu de uma classe popular para ter vários fãs, carros, mulheres e uma cobertura em Ipanema. Certa vez o Addison DeWitt - personagem do George Sanders em All About Eve – disse para Eve que: Era chegada a hora dela se desfazer um pouco da sua humanidade. Que todos eram vaidosos, e não fazer nenhum alarde era tão falso quanto o fazer em excesso. Se você estende o argumento para alguém que acredita dominar públicos e estar acima de tudo e todos, você consegue entender a personalidade artística do Simonal.

O seu declínio, aliado a supostas perseguições de várias ordens (políticas, raciais, artística), foi ajudada e muito por suas próprias atitudes. Artista brasileiro com inúmeros shows durante o seu apogeu, contabilizando quase um por dia no final dos anos de 1960, que cantou com a Elis Regina e a Sarah Vaughan – esta última, considerada por muitos, junto com a Billie Holiday e a Ella Fitzgerald, integrante da ‘santíssima trindade’ do jazz – teve os seus últimos dias relegado ao anonimato. Numa época de forte confronto ideológico, onde visões reducionistas da realidade era moda – e que por incrível que pareça continua na cabeça tacanha de alguns – dividia os artistas engajados, dos alienados, e mais que isso, os associavam à ditadura.

Não acredito que o não engajamento o tenha feito cair no esquecimento, vários outros não seguiram por esse caminho e nem por isso foram levados ao ostracismo, o caso mais exemplar que me vem à cabeça é o da Rita Lee – que pouco estava se interessando pelo momento político do País, e mais queria saber das drogas. Cada um com as suas opções. Acho na verdade que o principal problema do Simonal foi achar que estava acima do bem e do mal, e ter dado pronunciamentos dizendo ser ‘amigo’ do regime militar. Além disso, a entrevista com o suposto contador que teria desviado seu dinheiro, se verdade, é chocante, e o final do Simonal justificável. Nesse sentido, ele mesmo potencializou toda raiva, inveja (ou como queiram chamar) das pessoas que estavam predispostas ao ver na ruína.

Com inegável talento, mas pouco disciplinado na condução da sua vida artística, Simonal torna-se um exemplo dos resultados de uma vida sem planejamento e pior, do fato de se achar intocável, um deus - 'malandragem' tem limite. Acabou os seus últimos dias tentando se justificar, sem conseguir ter êxito. Morreu ainda jovem (62 anos), esquecido, e com certeza, bastante debilitado por conta de problemas no fígado, reflexo de suas angústias e de escolhas tomadas no passado.

Quem se interessar pelo documentário pode vê-lo na íntegra a seguir:

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Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei, Brasil, 2008. Dirigido por Claudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal. Com: Chico Anysio, Tony Tornado, Sérgio Cabral, Simoninha, Bárbara Heliodora, Luís Carlos Miele, Nelson Motta, Ziraldo. 84 minutos. Gênero: Documentário.

Nota: 10.0

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

The Letter (1940)

Foto 1 - Bette Davis implacável como Leslie Crosbie em 'A Carta'

A partir dos interesses envolvidos, a história de um assassinato, pode ter muitas versões. No entanto, a existência de uma carta altera todo o desenrolar dos fatos, e aponta para um único caminho, o da verdade. ‘A Carta’ é a terceira parceria do diretor William Wyler com a atriz Bette Davis. Nele, a atriz interpreta a Leslie Crosbie, uma mulher que desde a primeira cena mostra-se calculista e autocentrada – sendo esse estereótipo reforçado pelo hábito da personagem de fazer clochê. Além disso, a primeira cena já é bastante impactante e pouco convencional para um filme produzido em 1940 pelo fato de ser realizada por uma mulher. Estou me referindo ao momento da morte do Jeff Hammond e aos momentos que seguem, onde ela conta o que ocorreu ao marido e a outros personagens.

A partir daí inicia-se um procedimento legal que caminha para que a ré seja inocentada, pois ela teria cometido o assassinato em legítima defesa. Até que um evento inesperado acontece. Junto ao corpo havia uma carta da Leslie que contradizia o álibi de que há muito ela não mantinha contato com o Jeff. Inclusive, a cena em que a Leslie é colocada contra a parede pelo seu advogado é ótima. É aquele tipo de situação em que se dá corda para a pessoa se enforcar e onde a pessoa mente descaradamente, até o momento que a verdade surge, e o mentiroso fica procurando um buraco para se esconder.

Entre chantagens, compra de provas e envolvimento direto do advogado nesses crimes, Leslie consegue ser inocentada. Mesmo conseguindo o perdão de todos, inclusive do marido, ela mesma não consegue esquecer a motivação do crime. Bette Davis tem uma ótima atuação, sempre precisa e bastante controlada em seus gestos e nas suas falas. Ela consegue fazer muito bem esses papéis que normalmente não tem a simpatia do público. Não é nada que se compare à Regina Giddens de The Little Foxes, mas Leslie Crosbie em menor dose também é manipuladora, simulada, egocêntrica e egoísta.

O longa não chega a entrar no hall dos memoráveis, mas está cheio de bons momentos da Bette Davis. Com ele, ela conseguiu sua quinta indicação ao Oscar, figurando na lista de melhor atriz pelo terceiro ano consecutivo. Com um forte caráter de thriller, Bette Davis conseguiu mostrar seu total domínio sob os papéis que executava. Não falta nada, sua postura, seus gestos e inflexões são tão precisas quanto deve ser o ato de matar alguém sem deixar rastros. Há exatos 22 anos, a atriz que foi considerada a ‘The First Lady of Film’ nos deixava, e essa é a forma que o chá de poejo tem de homenageá-la.
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The Letter (A Carta), Estados Unidos, 1940. Dirigido por William Wyler. Com: Bette Davis, James Stephenson, Herbert Marshall. 95 minutos. Gênero: Drama.

Nota: 8.0