quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ferreira Gullar pode nos ajudar a escrever críticas de cinema

"Você acha que exposição que nos mostra larvas de mosca é arte? Pode até ser muito interessante, mas não tem nada a ver com arte. A arte existe porque a vida não basta, a vida é pouca. E a arte nos traz coisas belas, fascinantes, atordoantes, maravilhosas. É para isso que existe. Não serve para mostrar larva de mosca. Eu sou o único crítico que diz essas coisas. Todo mundo fica com medo de parecer retrógrado. Todo mundo é avançado, moderno. Eu estou cagando para a modernidade." Ferreira Gullar

Definitivamente isso pode nos ajudar nas nossas críticas cinematográficas. Quem se interessar pela matéria completa, só é clicar aqui. Ela está publicada na: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 5, nº 59, Agosto 2010.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nuovo Cinema Paradiso (1988)

Foto 1 - Totó e Alfredo no Cinema Paradiso

Cinema Paradiso personifica perfeitamente o verso da canção Celluloid Heroes do The Kinks:
I wish my life was a non-stop Hollywood movie show / A fantasy world of celluloid villains and heroes / Because celluloid heroes never feel any pain / And celluloid heroes never really die.
Cinema Paradiso é um filme sobre recordações e amor ao cinema. É como diz a música, ‘os heróis do cinema nunca sentem dor e nunca morrem realmente’, eles de fato permanecem no imaginário das pessoas, tornando-se imortais. É interessante notar como Giuseppe Tornatore mostra a paixão das pessoas pela grande tela, seja por parte de Totó, ou dos outros personagens que utilizam o espaço para infinitas atividades. No entanto, o impressionante é como a sétima arte passa a ser um elemento constitutivo e essencial ao convívio social daquela comunidade. Cinema Paradiso é uma verdadeira ode aos artistas da era de ouro do cinema, é a homenagem de um diretor a outros diretores como Pasolini e Renoir. É em suma, um tipo de intertextualidade, é o cinema falando dele próprio, sua evolução, seus nomes clássicos e sua receptividade no grande público.

O filme que possui três horas de duração pode ser facilmente dividido em três partes. O primeiro terço de Cinema Paradiso é uma obra-prima. Com elementos do neo-realismo italiano é capaz de momentos comoventes e divertidíssimos mesmo quando se busca representar a realidade social e econômica de uma época. Na primeira vez que vi o longa, achei que o ritmo narrativo era prejudicado no segundo terço dele. No entanto, vendo novamente a película, essa minha percepção mudou. A fase do Totó jovem, que se apaixona e acompanha um Alfredo cego, frágil e desiludido continua sendo repleto de diálogos inteligentes, sensíveis e universais. Como se não bastasse todos os ótimos momentos, ainda somos surpreendidos pelo final de Cinema Paradiso. Não irei nem contextualizar, para que quem ainda não assistiu, nem chegue a duvidar de nada, mas a cena é capaz de emocionar a qualquer um ao som da inesquecível trilha sonora do Enio Morricone. A homenagem que encontramos nessa película à sétima arte é impar, o que transforma "Cinema Paradiso" em um clássico. É, sem dúvida, obrigatório na memória de um bom fã do cinema.
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Nuovo Cinema Paradiso (Cinema Paradiso), França e Itália - 1988. Dirigido por Giuseppe Tornatore. Com: Philippe Noiret, Salvatore Cascio, Marco Leonardi, Jacques Perrin. 155 minutos. Gênero: Comédia, Drama e Romance.

Nota: 10.0

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Entre Tinieblas (1983)

Foto 1 - Irmãs Julia, Perdida e Rata de Beco, respectivamente, Julieta Serrano, Carmen Maura e Chus Lampreave

Pedro Almodóvar, realmente, consegue me surpreender e tirar boas gargalhadas de mim nos seus filmes totalmente mirabolantes. Eu que conhecia apenas suas produções recentes, realizadas a partir do ano de 1997, que, se diga de passagem, são, de fato, as suas melhores, me interessei pelos seus primeiros trabalhos produzidos nos anos de 1980. Destes, eu destaco o longa ‘Maus Hábitos’, que ao mostrar o dia a dia de um convento nada convencional consegue nos entreter. Entretenimento, eis a palavra de ordem, não veja a película pensando encontrar uma discussão profunda sobre a existência humana.

Almodóvar mostra que pode haver produções com essa finalidade sem que a inteligência do espectador seja colocada em cheque. Além disso, vemos um elenco formidável e conhecido – aliás, essa é uma das boas características do diretor – com um time muito bom para o cômico e o nonsense. Temos personagens pouco austeros para o ambiente que muitos julgam sagrado e sereno. E é engraçado como nada fica pesado ou ofensivo, quer dizer, talvez para mim, claro que os mais puritanos entrariam em choque com algumas passagens. Mesmo sendo em grande medida diversão, o filme tem um lado sério. Ele não satiriza apenas a religião, ele traz em si uma justificativa, e esse é um dos momentos, digamos, sério da película.

No cinema de Almodóvar é bem perceptível a existência de uma tensão com a igreja. Nascido em um país extremamente católico, e provavelmente, tendo tido uma educação que se valia dos princípios dessa religião, suas películas são reflexo desse seu conflito interior. Há uma passagem onde se argumenta exatamente o oposto do que nos é normalmente encucado. Há uma transgressão e inversão de raciocino que talvez seja a justificativa moral ou conforto espiritual do diretor para o seu estilo de vida que provavelmente não era dos mais ortodoxos. Justificativa porque mesmo não tendo uma vida comum, não consegue se desapegar das suas bases religiosas. Eis a passagem:
São nas criaturas imperfeitas que Deus encontra toda a sua grandeza. Jesus não morreu na cruz para salvar aos santos, e sim, para redimir os pecadores. Quando olho alguma destas mulheres (quem fala é Julia personagem de Julieta Serrano, e se refere a uma parede que há no seu quarto repleta de recortes de atrizes, dentre elas, Marilyn Monroe), sinto uma enorme gratidão, pois graças a elas, Deus segue vivendo e ressuscitado a cada dia.
O diretor espanhol que nos ensinou que o amor, na grande parte das vezes, é doentio, também nos fez/faz sorrir de situações pitorescas. Será que há uma identificação por conta de um ethos latino presente na formação ibérica e latino-americana? Provavelmente sim, mas de qualquer modo, suas cores vivas e pulsantes, seus enredos aparentemente confusos e seu humor escrachado são sempre elementos que nos fazem ir aos cinemas, tê-lo em nossas coleções, e sempre que possível, ver e rever seus personagens únicos.
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Entre Tinieblas (Maus Hábitos), Espanha - 1983. Dirigido por Pedro Almodóvar. Com: Cristina Sánchez Pascual, Carmen Maura, Marisa Paredes, Julieta Serrano, Chus Lampreave, Laura Cepeda, Lina Canalejas. 114 minutos. Gênero: Drama.

Nota: 8.0