Foto 1 - Irmãs Julia, Perdida e Rata de Beco, respectivamente, Julieta Serrano, Carmen Maura e Chus Lampreave
Pedro Almodóvar, realmente, consegue me surpreender e tirar boas gargalhadas de mim nos seus filmes totalmente mirabolantes. Eu que conhecia apenas suas produções recentes, realizadas a partir do ano de 1997, que, se diga de passagem, são, de fato, as suas melhores, me interessei pelos seus primeiros trabalhos produzidos nos anos de 1980. Destes, eu destaco o longa ‘Maus Hábitos’, que ao mostrar o dia a dia de um convento nada convencional consegue nos entreter. Entretenimento, eis a palavra de ordem, não veja a película pensando encontrar uma discussão profunda sobre a existência humana.
Almodóvar mostra que pode haver produções com essa finalidade sem que a inteligência do espectador seja colocada em cheque. Além disso, vemos um elenco formidável e conhecido – aliás, essa é uma das boas características do diretor – com um time muito bom para o cômico e o nonsense. Temos personagens pouco austeros para o ambiente que muitos julgam sagrado e sereno. E é engraçado como nada fica pesado ou ofensivo, quer dizer, talvez para mim, claro que os mais puritanos entrariam em choque com algumas passagens. Mesmo sendo em grande medida diversão, o filme tem um lado sério. Ele não satiriza apenas a religião, ele traz em si uma justificativa, e esse é um dos momentos, digamos, sério da película.
No cinema de Almodóvar é bem perceptível a existência de uma tensão com a igreja. Nascido em um país extremamente católico, e provavelmente, tendo tido uma educação que se valia dos princípios dessa religião, suas películas são reflexo desse seu conflito interior. Há uma passagem onde se argumenta exatamente o oposto do que nos é normalmente encucado. Há uma transgressão e inversão de raciocino que talvez seja a justificativa moral ou conforto espiritual do diretor para o seu estilo de vida que provavelmente não era dos mais ortodoxos. Justificativa porque mesmo não tendo uma vida comum, não consegue se desapegar das suas bases religiosas. Eis a passagem:
São nas criaturas imperfeitas que Deus encontra toda a sua grandeza. Jesus não morreu na cruz para salvar aos santos, e sim, para redimir os pecadores. Quando olho alguma destas mulheres (quem fala é Julia personagem de Julieta Serrano, e se refere a uma parede que há no seu quarto repleta de recortes de atrizes, dentre elas, Marilyn Monroe), sinto uma enorme gratidão, pois graças a elas, Deus segue vivendo e ressuscitado a cada dia.
O diretor espanhol que nos ensinou que o amor, na grande parte das vezes, é doentio, também nos fez/faz sorrir de situações pitorescas. Será que há uma identificação por conta de um ethos latino presente na formação ibérica e latino-americana? Provavelmente sim, mas de qualquer modo, suas cores vivas e pulsantes, seus enredos aparentemente confusos e seu humor escrachado são sempre elementos que nos fazem ir aos cinemas, tê-lo em nossas coleções, e sempre que possível, ver e rever seus personagens únicos.
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Entre Tinieblas (Maus Hábitos), Espanha - 1983. Dirigido por Pedro Almodóvar. Com: Cristina Sánchez Pascual, Carmen Maura, Marisa Paredes, Julieta Serrano, Chus Lampreave, Laura Cepeda, Lina Canalejas. 114 minutos. Gênero: Drama.
Nota: 8.0
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