Recentemente, um fenômeno passou a acontecer no cinema americano. Em 2009, foi lançado nos Estados Unidos, Precious: Based on the Novel Push by Sapphire, filme que chamou a atenção pelo enredo, e pelas atuações das suas principais atrizes, tendo a coadjuvante ganhado todos os prêmios da temporada. São filmes que contam as histórias dos milhares de negros que vivem no País, e que ainda carregam marcas históricas de anos de exploração e discriminação. Ano passado, foi lançado no mercado estadunidense o filme – The Help – que no Brasil recebeu o nome de Histórias Cruzadas, e que tem estado presente nas principais premiações desse ano.
Diferentemente de Precious que conta a história da degradante condição de vida de uma garota negra nos Estados Unidos pós-Luther King, e pós luta pelos direitos civis e políticos, The Help passa-se ainda no estado do Mississipi extremamente segregacionista e dominado pela Klu Klux Klan. Apesar desse não ser um tema novo na cinematografia daquele país, vide um clássico como Mississipi em Chamas, a perspectiva para se tratar a questão o é. A partir do ponto de vista das empregadas domésticas nos é revelada as condições subumanas de tratamento, onde não existe Estado de Direito algum para a população negra. Aliás, o mais constrangedor, é que as próprias práticas nem podem ser consideradas ilegais, pois elas são tuteladas pelo próprio Estado. Diferentemente do Brasil onde o preconceito é latente, nos EUA, especificamente nos estados sulistas, ele era institucionalizado e legitimado pelos agentes públicos.
Além disso, nele está claramente representado, aquilo que os sociólogos costumam chamar de reprodução social*. Por gerações e gerações, são negadas as oportunidades à população negra sistematicamente. E por isso, o ciclo vicioso permanece constante e ativo. A nova geração acaba tendo o mesmo destino dos seus antepassados que viveram no país nos séculos 18 e 19. Assim, as funções menos remuneradas, e que normalmente requerem maior esforço físico são destinadas a esse grupo social. No entanto, o irônico é entender como ao mesmo tempo eles são considerados brutos, sujos e incivilizados são responsáveis pelos filhos dos brancos em uma etapa da vida onde as crianças estariam suscetíveis a aprender todos esses supostos maus hábitos.
Diante de todo esse cenário, uma jovem, recém formada, voltando da universidade se depara com uma realidade que não lhe atrai. Com outros valores, chega à cidade e vai à busca de um emprego, algo considerado bastante estranho para o grupo social do qual participava. Aliás, ir à universidade já era algo incomum para as jovens como ela. Tentando ser útil, e não apenas se acomodar no cargo de escritora de uma coluna estupidamente banal, ela tem a ideia de escrever um livro contando pelo ângulo das empregadas domésticas, as suas relações com as famílias brancas. Apesar de não ocorrer em todos os casos, o quadro dominante era o pior possível. Era em suma, a segregação racial sendo ensinada nos próprios lares, na frente das crianças. Crianças que enquanto jovens adoravam suas babás, mas que quando cresciam, tornavam-se os novos tiranos.
O último aspecto que quero destacar é a atuação da Viola Davis. Atriz que venho observando desde filmes como Dúvida, Syriana, Longe do Paraíso, está brilhante no papel de Aibileen. Babá que sofreu na pele – isso fica até redundante – as marcas do racismo, com a perda de um filho. Ela chega a estar tão convincente, que mesmo não sendo a atriz principal do longa, foi indicada ao Globo de Ouro, SAG, e, provavelmente, Oscar, nessa categoria. Ainda não vi a Meryl Streep em A Dama de Ferro, mas uma coisa eu sei, que se há uma disputa, ela não é entre a Glenn Close e a Streep, mas entre a Viola Davis e a Streep. Por fim, porém, não menos importante, está a surpreendente Octavia Spencer, no papel de Minny Jackson. Ao mesmo tempo durona e divertida, apesar de todo seu sofrimento, consegue nos arrancar boas gargalhadas. Certamente, ela será a vencedora de todos os prêmios pré-Oscar, e com certeza ouviremos o The Oscar goes to... Octavia Spencer. Em suma, diante do péssimo ano com relação a cinema, eis que surge um daqueles que eu posso dizer imperdível.
*Reprodução social não significa apenas a repetição da cultura atualmente existente, mas também na repetição, na conservação, da própria estrutura social e do sistema de status e papéis sociais existente. Assim, a reprodução social é um modo de manter as desigualdades sociais, econômicas, políticas, etc.
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The Help (Histórias Cruzadas), Emirados Árabes/Estados Unidos/Índia, 2011. Dirigido por Tate Taylor. Com: Viola Davis, Octavia Spencer, Mary Steenburgen, Emma Stone. 146 minutos. Gênero: Drama.
Nota: 9.0
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