Essa postagem foi originalmente publicada por mim com o título de “
Mas eu não quero ver gente maluca”, em 2009, quando eu ainda escrevia no “mão no teto e chão no pé”. Nessa versão, agora presente no
chá de poejo, mudei o título e cortei algumas passagens.
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Você já imaginou um lugar onde flores pensam que você é uma erva daninha, lagarta faz o estilo fumante-intelectual, um coelho apressado corre porque está atrasado, um gato fica sobre sua própria cabeça, chaleiras cantam, urubus são guarda-chuvas, corujas têm pescoço de sanfona e maçanetas falam? Pode acreditar, esse lugar existe! Pelo menos, em “Alice no País das Maravilhas (1951)”.Esse é um filme clássico que muitos devem ter assistido quando eram crianças. Sem dúvida, ter contato com essa obra da Disney é submergir e brincar com a imaginação.
Alice é uma garota chateada com seu cotidiano sem grandes emoções. Para ela, sua vida é um livro sem figuras. Acredito que os psicanalistas adorariam ter uma paciente aos moldes de Alice. O filme antes de tudo é uma estética associada à psique da protagonista (que não é tão protagonista). Ou seja, o que vemos é um determinado imaginário extraído de um sonho, sem necessariamente, importar coisas como, coerência, significados racionais e adequação.
Mas nem pense que nesse mundo surreal – literalmente – há apenas devaneios. O real também está no
nonsense. O encontro de Alice com a lagarta é um deles. Incessantemente, a lagarta pergunta à Alice: Quem é você? Ora, em minha perspectiva, isso pode ser interpretado, na passagem, tanto como um artifício para desqualificar a fala da menina, ou seja, um instrumento de poder, como uma indagação reflexiva sobre a existência dela. Aqui, o autoritarismo perde espaço para uma ação fenomenológica. A lagarta, na verdade, pergunta à Alice, como é que ela se percebe no mundo. E é a própria inquiridora que dá a resposta ao se transformar em borboleta.
Em um caminho tortuoso, regado a explicações incompletas e conclusões precipitadas, temos um segundo momento que merece destaque. O primeiro encontro de Alice com o gato de Cheshire inicia-se com uma pergunta simples: Qual caminho devo tomar? O gato caminha em uma linha tênue entre loucura e lucidez, é ele que alerta a garota da insanidade dos outros, e dá pistas de como sobreviver neste ambiente. Veja se isso não é a vida real. 1) Estar com os outros, e discordar minimamente deles; 2) Tentar não irritar as pessoas; 3) Elogiá-los; e 4) Se adequar ao local, ou seja, nunca tente inovar muito em circunstâncias estranhas. Seguindo essas quatro regras, você sempre será bem quisto, no entanto, não será você mesmo.
Mas ainda não é esse o ponto. O mais interessante nesse encontro, é como o gato transmite a ideia de escolha associada a de responsabilidade individual. Se não se sabe qual caminho tomar, é porque não se sabe para onde ir, uma ótima definição para o que chamamos de “indecisão”. A seguir, uma pequena transcrição da conversa que se refere a esse debate que estamos tendo.
Alice: Eu só queria saber que caminho tomar.
Gato: Isso depende do lugar aonde quer ir.
Alice: Realmente não importa.
Gato: Então não importa que caminho tomar.
Enfim, para além de um filme infantil, “Alice no País das Maravilhas (1951)” traz bons pensamentos nada infantis. Diferentemente, de outros filmes com a marca Disney, este além do seu pouco ou nenhum comprometimento com a realidade, mostra que para um filme ser bom, não é preciso: 1) Que ele gire em torno de um grande propósito ou dilema, e/ou 2) Que haja uma lição de moral a ser apreendida ao longo dele. Quem não o viu depois de adulto, que o veja!
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Alice in Wonderland (Alice no País das Maravilhas), Estados Unidos - 1951. Dirigido por Wilfred Jackson, Hamilton Luske e Clyde Geronimi. Com: Verna Felton, Kathryn Beaumont, Richard Haydn. 75 minutos. Gênero: Animação, Fantasia, Musical.
Nota: 10.0