Nas informações sobre ‘Meia-noite em Paris’ tem-se que o gênero do filme é: ‘comédia-romântica’, talvez isso explique, pelo menos em parte, o público presente na minha sessão. A película está longe de ser romântica ou engraçada – no sentido puro e simples de provocar risos banais – mas possui uma carga de cinismo e sarcasmo. O que se ver é uma ode à beleza de Paris, à arte e à vida.
Gil (Owen Wilson) é um apaixonado pela noite e beleza de Paris, sua chuva, suas luzes, suas ruas. Para ele, a cidade transpira e respira o ar do que melhor se produziu em termos de cultura no início do século passado. Em certo momento, não interessa necessariamente como, ele começa a ter contato com a intelectualidade boêmia que habitava a cidade nos anos de 1920. A viagem ao tempo do protagonista é repleta de encontros com pessoas interessantes e cheia de conversas instigantes, tudo o que ele não tinha no ‘mundo real’ – onde convive com dois tipos de esnobes e pedantes, o intelectual e o econômico.
O culto ao passado (onde se diz que o tempo atual é menos interessante comparado ao que já passou) que é um sentimento bem comum a muitas pessoas é um dos grandes motes do longa. Contudo, com o passar do filme, percebe-se que o argumento defendido é que é preciso conhecer o que foi produzido no passado, mas é um desperdício viver nele, pois o presente é o único tempo que se tem. Assim, você pode aproveitá-lo não o perdendo com os tipos caricatos – para não dizer patéticos dos esnobes e pedantes – que se ver no próprio filme, e ainda, tentando ressignificar aquilo que se acha fenomenal e que foi feito anteriormente, e procurando companhias que possam acrescentar algo. O jogo é: ter o passado como baliza, não como fim em si mesmo. O que é importante notar é que quem idealiza isso, é um homem com mais de 70 anos, que vê nessas pessoas clássicas o ponto de partida para a sua produção cinematográfica.
Devo ainda falar sobre as atuações. O Owen Wilson, realmente, me surpreendeu. Ele que sempre interpreta papeis onde ele e o resto da produção do filme nunca o leva a sério, encontra-se bem. Para dizer a verdade, fez-me lembrar em vários gestos o próprio Woody Allen e o ‘time’ cômico do mesmo, e essa memória fica mais viva, depois de ter visto recentemente ‘Dirigindo no Escuro’. Para dizer a verdade, o Allen escreveu o papel para ele mesmo atuar, só que, ele não tem mais a idade que o papel parece exigir. E todo o resto do elenco está perfeito, a Rachel McAdams como a noivinha irritante, a Marion Cotillard irradiando seu talento e beleza, a Kathy Bates como a aglutinadora de vários artistas e o Adrien Brody como o Dalí aparentemente louco, mas genial.
‘Meia-noite em Paris’ é uma crítica a apatia e falta de criatividade dos tempos atuais, mostrando o diretor e roteirista que a busca do passado que pode ser o ponto de partida, também não pode ser encarado como o intangível e sacro. Da mesma forma que de forma causal se diz que há uma relação direta entre nível de educação e renda, também posso dizer que quanto maior o conhecimento do espectador, em termos de arte e literatura, maior será a sua estima pela película. Digo isso, pois, há várias nuances no filme, que só consegue perceber quem conhece alguns aspectos das obras dos citados, ou os seus trejeitos. Nesse sentido, vê-se o Gil sugerindo ao Buñuel o enredo de ‘O Anjo Exterminador’, a rispidez do Ernest Hemingway que viveu e cobriu a Guerra Civil Espanhola, o relacionamento entre os Fitzgeralds, e a genialidade dos pais do cubismo e do surrealismo, respectivamente, Picasso e Dalí. E cabe aqui, o que já escrevi em um post sobre ‘
Os dez mandamentos’ do Cecil B. DeMille. Para toda discussão sobre saudosismo, e o legado dos antecessores, vale as palavras do Calvino (1993, p. 15), "É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível." E todos esses nomes citados continuam sendo ‘rumores’, mesmo estando mortos há muitos anos.
Referência Bibliográfica:
CALVINO, I. (1993). Por que ler os clássicos. (trad) Nilson Moulin, Companhia das Letras, SP.
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