terça-feira, 16 de março de 2010

The Ten Commandments (1956)

Um filme clássico é reconhecido por vários motivos, dentre eles, sua grandiosidade, seu enredo, seus atores, sua direção, os momentos inesquecíveis. Certa vez, li um texto do Italo Calvino (1993), Por que ler os clássicos, e uma das razões que o autor dá é: "Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo... " e nunca "Estou lendo... "" (p. 9). Substitua livros por filmes, e o resultado será o mesmo. Lembro de ter visto Os dez mandamentos ainda criança, e sendo sincero, nem sabia quem era o Cecil B. DeMille, e muito menos, qual era a sua importância para o cinema. No entanto, a sensação de embasbacamento diante da dimensão daquelas tomadas, e daqueles efeitos e paisagens foi tão arrebatador ao ponto de ficar impressa na minha memória. Instigado pelas reflexões do Martin Scorsese, em documentário que comentei no post abaixo, decidi rever tal película, e me vi novamente inspirado pela leitura que tinha feito no início da minha graduação: "Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira" (Calvino, 1993, p. 11).

Desta vez, um pouco mais amadurecido, percebi uma série de contrastes, e o esmero das mãos geniais de um diretor de visão. Coisas como a maestria que é produzida a cena inicial, para não citar tantas outras, onde os judeus puxam aquela enorme esfinge, e nós somos conduzidos a ver e interpretar a cena da forma como o diretor quer. Ou ainda, observar a manifestação da diferença de poder, apenas por uma comparação visual de tomadas. Ou seja, de um lado, a fábrica de gerra do faraó, por outro, uma simples caravana de israelitas. Além disso, é notável o seu trabalho e sua atenção aos pormenores. As tomadas podem ser em grandes planos, mas as particularidades e individualidades conseguem se sobressair em cenas com grandes multidões. Da mesma forma que as composições dos cenários, e as posições dos personagens são estritatemente planejadas e com uma razão de ser. Um clássico se faz com esmero, estudo, pesquisa, dedicação, cobrança e perfeccionismo.

Quem dá vida aos personagens, são artistas de ponta. Citando apenas dois, Charlton Heston (Moisés), o mesmo de Ben-Hur (1959) e Anne Baxter (Nefertiti), a mesma de All About Eve (1950). O meu destaque é para a última, que em matéria de sensualidade e cinismo está bem em todas as cenas que faz desse gênero. Já o ponto positivo do Heston é que ele consegue envelhecer com o personagem, claro, ajudado pela pesada maquiagem. Além disso, participa de algumas das cenas mais memoráveis do Cinema, como a da abertura do Mar Vermelho, ou aquela em que conduz os dez mandamentos. Um clássico também se faz com atuações, personagens e momentos marcantes.

DeMille sabia que um verdadeiro espetáculo por si só, nunca faria um grande filme. Por isso, gastava muito tempo trabalhando na dramaturgia e na composição das cenas, do que na planificação de efeitos fotográficos. Seus filmes, produzidos em CinemaScope, que na época eram tidos como feitos para as massas alienadas que não estavam antenadas com a produção européia, escondia muitas facetas para ser considerado grande. Visto que para ele, Os dez mandamentos seria o maior filme produzido até então, com a maior quantidade de recursos (humano, monetário, tempo, tecnológico...) gastos. E sua promessa tornou-se realidade. Com cinco anos de produção, figurinos extravagantes, cenários perfeitos, atuações marcantes, direção milimetricamente pensada, entra para o hall dos grandes épicos do Cinema mundial.

Pode-se comparar DeMille com o James Cameron, em alguns aspectos. O primeiro, muitas vezes visto como megalomaniaco (como o segundo), por conta do tamanho das suas produções, e carrasco (como o segundo) pelo minunciosismo, esmero e seriedade que impunha a aqueles que com ele trabalhava. No entanto, sabia que nada disso era suficiente se não tivesse em seu alicerce um bom roteiro, defendido por bons atores. Ou seja, ele era adepto das inovações tecnológicas, não da técnica pela técnica. Podemos dizer o mesmo do segundo? Acredito que não. Avatar, por exemplo, também teve um tempo impar de incubação, cerca de dez anos, utilização de tecnologia de ponta, tinha tudo para se tornar um grande Filme (repare o f maiúsculo). Qual argumento é defendida pelo enredo? Quais os momentos dramáticos vividos por seus personagens? Qual a intensidade dessas atuações? Para mim, Cameron faltou as aulas onde se discutiu Cecil B. DeMille, ou o
D.W. Griffith. Não tenho dúvida que Cameron nunca será esquecido, tal como seu filme, o resultado que eles alcançaram foram indiscutivelmente satisfatórios diante da indústria cinematográfica, mas o seu caráter inovador é técnico, onde está a evolução na linguagem ou na forma de conduzir o capital humano?

É por isso que termino com as palavras do Calvino (1993, p. 15), "É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível." Não à toa DeMille até hoje é cultuado, e seus filmes revistos, quase sessenta anos depois de produzidos. Seus códigos continuam a influenciar, seu estilo continua a ser reinventado, e sua linguagem permanece iluminando jovens diretores e apreciadores da sétima arte. É realmente um sonho passar quase quatro horas admirando cada instante de Os dez mandamentos, a cada cena percebemos os momentos de pura invenção e dedicação de seu diretor.

Referência Bibliográfica:
CALVINO, I. (1993). Por que ler os clássicos. (trad) Nilson Moulin, Companhia das Letras, SP.
-------------------------------------------------------------------------------------------------
The Ten Commandments (Os Dez Mandamentos), Estados Unidos - 1956. Dirigido por Cecil B. DeMille. Com: Charlton Heston, Yul Brynner, Anne Baxter, Yvonne De Carlo, Vincent Price. 220 minutos. Gênero: Épico, Drama.

Nota: 10.0

3 comentários:

Elton Telles disse...

Olá Santiago!

Cara, é vergonhoso, mas eu nunca assisti a nenhum filme do Cecil B. DeMille! Isso é uma lacuna cinematográfica sem dimensões, mas, pra falar a verdade, apesar da sua crítica positiva ao filme, não me traz tanto apetite em conferir os trabalhos desse diretor mais pelo histórico e do que eu leio sobre ele, sei lá.

claro que nao vou deixar passar em branco, mas vou esperar mais um pouco por tempo indeterminado rs.


abraço!

Jenson J, disse...

Cara, é vergonhoso, mas eu nunca assisti a nenhum filme do Cecil B. DeMille! [2]

bruno knott disse...

Caramba... excelente o teu texto...
Curto bastante os 10 mandamentos, mas não me considero fã.

Postar um comentário