quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Blog em recesso

Esse é um comunicado aos poucos, porém, bons frequentadores desse blog. Hoje estou viajando para praia, e só devo voltar depois do ano novo. Em virtude disso, espero ficar afastado da internet, apenas descansando durante esse tempo. Pelo menos é o que eu espero! O lado bom disso é que já preparei meu arsenal de filmes, se por um lado não vou escrever no blog, por outro, terei uma série de resenhas prontas para serem postadas assim que voltar, ou assim que a saudade do chá de poejo bater. A todos e todas um excelente final de ano!

Diamante de Sangue (2006)

Foto 1 - Leonardo DiCaprio e Djimon Hounsou em Diamante de Sangue

A trama de "Diamante de Sangue" gira em torno do comércio de diamantes de áreas de conflito, no caso do filme, em Serra Leoa. Tal dinâmica seria a propulsora da guerra civil, no momento em que representaria o capital necessário para comprar armas. Questões políticas importantes são tocadas rapidamente no longa, além claro do fato da guerra civil, também é mostrado a rede de interesses dos envolvidos. Por exemplo, o mesmo fornecedor que vende armas ao governo, vende aos "rebeldes". Não há escrúpulos, apenas interesses. A lógica do conflito é o seguinte, se por acaso tirarmos o nome Serra Leoa e colocarmos Venezuela, trocarmos diamante por petróleo, ou, tirar Serra Leoa e por EUA/Iraque, entendemos o poder que os recursos minerais possuem nos projetos políticos de cada governo e as verdadeiras motivações para uma guerra.

Para quem apenas ler o primeiro parágrafo, vai pensar, que filmão! Ledo engano, nele, há muita ação, pouca ênfase no político, atores bonitos, más atuações, muita morte, e claro, uma história de amor. Até hoje me pergunto o porquê de Leonardo DiCaprio ter sido indicado ao Oscar de melhor ator. A quem ele convence que foi um guerrilheiro atuante na guerra civil de Angola antes de se envolver com o tráfico de diamantes? Ele deveria ter visto mais Apocalypse Now (1979), Platoon (1986) e O Resgate do Soldado Ryan (1998), os dois primeiros para saber como se portar numa selva, e o último, para saber como agir numa guerra, e entender o que é ser um verdadeiro ator.

O que salva o filme são algumas nuances interessantes sobre o conflito generalizado em toda África, na disputa de quem consegue poder e riqueza, através dos recursos minerais existentes naquela terra. No mais, a película é repleta de momentos melodramáticos baratos. E pode ser resumida da seguinte maneira: O contrabandista de diamantes (Leonardo DiCaprio) vira mocinho ao salvar o pescador (Djimon Hounsou) e seu filho. O "ex-vilão" morre no final, e por isso não consegue ficar com a mocinha (Jennifer Connelly). Fica claro que o "bom moço" deu a sua vida para salvar os outros, mas antes de morrer, telefona para a garota e declara todo o seu amor antes do seu fim. Se mesmo com tudo isso as perfomances fossem boas, até que daria para suportar o longa, mas nem isso, a Jennifer Connelly nem parece a mesma que fez Réquiem para um Sonho (2000).

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Blood Diamond (Diamante de Sangue), Estados Unidos - 2006. Dirigido por Edward Zwick. Com: Jennifer Connelly, Leonardo DiCaprio, Djimon Hounsou. 138 minutos. Gênero: Drama, Suspense.
Nota: 6.0

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sangue Negro (2007)

"I drink your milkshake!"

Clichê, antiquado, mais do mesmo? Será que essas são palavras e expressões adequadas para definir o filme dirigido pelo Paul Thomas Anderson? Afinal de contas, insanidade e ganância são temas para lá de batidos no cinema, principalmente, o norte-americano. No momento, lembro de dois clássicos que retratam bem essas questões, a saber, Cidadão Kane de 1941 e Assim Caminha a Humanidade de 1956. Sendo que a semelhança deste último é maior ainda, visto que a sua trama também se passa no oeste americano e também em torno do petróleo.

No entanto, uma coisa me chama atenção no longa Sangue Negro (2007). Normalmente, uma coisa que me deixa ligado nos filmes são as atuações femininas, coisa que não é possível nessa película em específico. Não estou aqui para falar do enredo do filme, que de fato não é original, original é a sua direção e a atuação do Daniel Day-Lewis. Sigo esse ator há algum tempo, para ser preciso, desde do longa A insustentável leveza do ser de 1988, mesmo ele já tendo atuado muito antes de 88. Assim, não é surpresa nenhuma para mim sua perfomance dessa vez como Daniel Plainview. E é sobre isso que quero discutir.

Acho que desde o Hannibal do Anthony Hopkins que eu não via um ator refletindo o tumultuoso interior de um personagem de maneira tão brilhante. Além disso, no caso do Day-Lewis, o Plainview não é mostrado por completo desde o início, pelo contrário, o ator vai descobrindo o personagem aos poucos, suas transformações, suas pertubações. Pertubações porque ele é um poço de contradições, tão profundas quanto os poços de petróleo que perfura. Ao mesmo tempo, ele é fascinante, charmoso, astuto, inteligente, consegue convencer a todos que é a melhor opção para a extração do petróleo da localidade. Mas também é inescrupuloso, é capaz de utilizar uma criança como meio para conquistar a simpatia das pessoas nas suas investidas. O desejo pelo poder é outra de suas características e Plainview demonstra fazer qualquer coisa para consegui-lo, apesar que neste aspecto, ele também é bem contraditório. Claro, poder é uma de suas ambições, mas também aparenta ser um Robbin Wood, no sentido de mostrar claramente a personalidade do pastor Eli. Só uma observação, as aparições do Paul Dano são bem convincentes e dignas de comentário. Confundiria-o, sem dúvida, com algum desses pastores que se pode ver nas madrugadas da tv brasileira.

Acredito que o diálogo travado por ele (Plainview) e seu suposto irmão, transcrito abaixo, é o código definitivo para desvendá-lo.

"Não gosto de dar explicações. Sou competitivo por natureza. Não quero que ninguém tenha sucesso. Odeio a maioria das pessoas. Às vezes, olho para elas e não vejo nada de agradável. Quero ganhar o suficiente para me isolar de todos. Vejo o que de pior as pessoas tem. Não preciso conhecê-las para saber disso. Desenvolvi o meu ódio ao longo dos anos, pouco a pouco."

Daniel Plainview

Tudo isso tem uma razão. As pessoas que sofrem para conseguir um objetivo, geralmente, tornam-se reclusas, até porque enquanto você não é ninguém, as pessoas ao redor o tratam como tal. No começo era ele e a sorte, tanto é que se percebe seu desapego pela vida, isso fica claro no início do filme, quando ele acende as dinamites no local onde trabalha, e sai de lá como se estivesse soltando traque de massa. Ou seja, foi um cara que conviveu com a morte e o perigo de perto. Trabalhou noite e dia no melhor estilo do americano capitalista. Plainview é um homem destrutivo, que luta pelo monopólio e pelo poder constantemente, e como se sabe, essa busca desenfreada tem um preço caro. E tudo isso pode ser apreciado num magnífico filme do Paul Thomas Anderson, e num incrível momento do Daniel Day-Lewis, que recebeu merecidamente seu segundo Oscar por essa atuação.

P.S.: Diferentemente do que tem acontecido, nos últimos tempos, salvo exceções, na categoria de melhor atriz, a Academia tem premiado bem os melhores atores, essa constatação vale um post.

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There Will Be Blood (Sangue Negro), Estados Unidos - 2007. Dirigido por Paul Thomas Anderson. Com: Daniel Day-Lewis, Paul Dano. 158 minutos. Gênero: Drama.
Nota: 10.0

domingo, 13 de dezembro de 2009

Dr. Strangelove (1964)

Foto 1 - Peter Sellers como Dr. Fantástico

Dr. Strangelove, lançado no ano de 1964, é um filme do cineasta Stanley Kubrick. Em português, recebeu o nome de Dr. Fantástico. O longa está ambientado no período da Guerra Fria, e principalmente, trata da paranóia norte-americano frente o perigo soviético. Tudo começa quando um general, que representa toda a obsessão militar por destruir o inimigo, resolve iniciar um plano ultra-secreto chamado "Plano R". Entretanto, o "Plano R" só deveria ser utilizado se houvesse um ataque russo em solo norte-americano. Esse plano seria uma reação imediata, com ataque às instalações nucleares soviéticas. O engraçado é que tudo isso acontece graças a paranóia do brigadeiro Jack Ripper (Sterling Hayden), que imagina que a "ameaça vermelha" está retirando a pureza dos fluídos americanos. Ele desenvolveu uma teoria onde a adição de flúor em vários produtos, da água até o sal, é uma estratégia dos russos para contaminar os americanos, daí ele só tomar água destilada ou da chuva. Pura loucura! Só que o pior ainda está por acontecer, os russos possuem um artefato nuclear que é acionado automaticamente em caso de ataque ao seu território. A arma é extremamente destrutiva, e deixaria a Terra inabitável por 100 anos.

Essa é uma obra de humor negro, sarcasmo puro. Há algumas falas inesquecíveis, uma delas é a recomendação do brigadeiro Jack Ripper aos soldados da sua base. Sobre um possível ataque, ele diz: "Se tiverem dúvidas, disparem primeiro, façam perguntas depois. Antes umas baixas acidentais, que perder a base inteira apenas por descuido." Além disso, é impagável ver o presidente dos Estados Unidos, Merkin Muffley (Peter Sellers), se comunicando com o primeiro-ministro soviético, chamado Dmitri. Quando o presidente americano fala do ataque em solo russo, "Dmitri, não adianta de nada ficar histérico numa altura dessas. Mantenha os pés no chão." Em todos os momentos o presidente americano mostra-se seguro, mas quando ele fala com Dmitri, fica extremamente inseguro, chegando a parecer uma criança. O ponto alto do filme chega com a aparição do Dr. Strangelove (Peter Sellers). Ele era um um ex-cientista nazista que com o fim do III Reich se torna conselheiro do presidente americano. O mais cômico dele são os seus arroubos nazistas. Ele possui uma síndrome na qual os membros parecem adquirir vida própria, ela é conhecida como Síndrome do Dr. Fantástico, ou Síndrome da Mão Alienígena (SMA). Inclusive, ele luta contra sua mão, que tenta esganá-lo. Fora as saudações nazistas que ele faz, chamando o presidente americano de Mein Führer, as suas soluções para os problemas são as mais excêntricas, quer dizer, não para ele, que se diverte e parece sentir prazer. Sensacional é a solução para a reprodução da espécie humana nas minas, visto que como disse, a superfície ficará inabitável por 100 anos. Nas minas, deverá haver uma proporção de 10 mulheres para cada homem, além de que, elas deveriam ser as mais atrativas sexualmente.

O longa termina com o Dr. Strangelove dizendo, "Mein Führer, eu consigo andar!". E é claro que ele está se referindo ao presidente americano, maior ironia que essa, não há. Ao mesmo tempo que o longa é cômico, é sarcástico. Ele toca em questões bem sensíveis, e é ainda mais impactante visto que foi lançado em plena Guerra Fria. Kubrick vai de uma análise do medo e paranóia vermelha até a obsessão do mundo masculino pelas mulheres. Peter Sellers nos é apresentado em três papéis, os quais estão brilhantemente interpretados por ele. Entretanto, um se destaca, é o hilariante, satírico e ao mesmo tempo aterrador, Dr. Strangelove. Ele é a síntese de como deve-se "deixar de se preocupar e amar a bomba". Imperdível para entender melhor o que de fato foi a disputa político-ideológica do século passado.
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Dr. Strangelove, Reino Unido - 1964. Dirigido por Stanley Kubrick. Com: Peter Sellers, George C. Scott. 93 minutos. Gênero: Comédia, Guerra.
Nota: 10.0

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Sonata de Outono (1978)

Foto 1 - Liv Ullmann e Ingrid Bergman em Sonata de Outono

Entrar no mundo de Ingmar Bergman é conhecer as angústias e os demônios desse cineasta, e ao mesmo tempo, ficar cara a cara com os nosso próprios medos. O cinema deste sueco não é divertimento, poucos são aqueles que conseguem discutir questões tão particulares e existenciais de maneira tão profunda e bela. A experiencia de assistir a um de seus filmes, tanto emocionalmente, quanto esteticamente, não possui equivalente, muito menos, nos tempos atuais.

Um bom exemplo disso é o filme Höstsonaten (1978), em português, Sonata de Outono. Ele narra a história de uma mãe superficial e dominadora, chamada Charlotte Andergast, interpretada por Ingrid Bergman. Quero deixar claro, que o sentido de superficial aqui empregado, não está relacionado ao sentido de uma mulher alienada, visto que ela tem ciência de todas suas atitudes, se ela age assim é de maneira intencional. Charlotte após a perda de um amigo, com quem mantinha um relacionamento, viaja para a casa de sua filha que a convidou para passar uns tempos com ela. A filha, que se chama Eva, é interpretada por Liv Ullmann. Eva, em um primeiro momento, parece apenas possuir inveja da mãe, entretanto, com o desenvolvimento do longa, percebe-se que ela sofre intensamente por certas razões. A primeira é o fato de ter perdido seu único filho, o que a afastou do relacionamento com seu marido, e a segunda, é o recentimento e a mágoa que sente por sua mãe. Charlotte é uma pianista bastante conhecida, e que desde cedo nunca parou em casa, sempre esteve cuidando da sua carreira profissional. Logo, foi uma mãe relapsa que mesmo quando estava em casa não dava a atenção necessária a filha.

Entretanto, anos depois, na visita que Charlotte faz à filha, Eva, o passado volta à tona. A primeira coisa que a mãe descobre é que Eva cuida, atualmente, de sua também filha, Helena. Esta última, sofre de uma doença nervosa degenerativa, o que causa mais indiferença à Charlotte, que se pergunta, inclusive, o porquê dela não ter morrido ainda. No entanto, o foco do filme baseia-se nos confrontos diretos entre Ingrid Bergman e Liv Ullmann. E são nesses momentos que o espectador possui um sentimento de claustrofobia. Da mesma forma em que as personagens sofrem nas discussões, nós também nos percebemos diretamente envolvidos com a trama. Esta película vale mais que um desses filmes de terror. Ou seja, o drama psicológico vivido por essas mulheres tomam ar de pesadelo que se confunde entre o real e o imaginário.

Foto 2 - Cena do piano, Bergman e Ullmann, mãe e filha

As atrizes estão sensacionais, também, não esperava nada menos que isso dessa dupla, Bergman e Ullmann. A característica fundamental de suas personagens é a tristeza. Contudo, enquanto a primeira mostra-se orgulhosa, e pisa em seus medos com pé firme e impetuoso, a segunda mostra-se, afetada e abalada, ao não conseguir esconder a sua fragilidade. Uma cena, quero dizer, uma das cenas marcantes da película é a do piano. Nela, fica explícita as personalidades delas, e tudo isso, movido ao som marcante de Chopin. Eva possui uma interpretação de Chopin, tímida e introvertida, mas não errada. Sua mãe imediatamente percebe essas suas características. Ou seja, ela sente a personalidade da filha enquanto a música é tocada. Ao fim, Eva pergunta a mãe: Gostou?, e ela responde: Gostei de você. A filha, percebe que a mãe não gostou da sua apresentação, e então pede para que ela mostre como deveria ser a interpretação daquela composição. Charlotte, sem hesitar, senta-se ao lado da filha, e começa uma introdutória, porém esmagadora explicação daquele prelúdio. É aí que ela mostra a sua personalidade, ela diz sobre a composição: “Há dor, mas sem parecer”. E conclui, “Você precisa ser persistente e emergir triunfante”. Tudo isso fica melhor de ser entendido vendo a cena.


"Sonata de Outono" é um dos mais belos filmes do cineasta Ingmar Bergman, ele é ao mesmo tempo, comovente e extremamente realista. Cada expressão, cada momento, cada fala, tudo soa verdadeiro. Sua história narra mais uma complicada relação familiar, tema tão presente e caro para esse diretor. Ódio, contradições, angústia, desprezo, medo, tristeza, dúvidas, incertezas, remorsos, são adjetivos adequados para compreender a essência dessa película. Após um longo tempo sem se ver, o reencontro entre mãe e filha, inicialmente marcado pelo entusiasmo, logo muda, surgindo daí, um enfrentamento com cenas de marcante violência psicológica. As atuações de Ingrid Bergman e Liv Ullmann são excepcionais, tocantes, perturbadoras e admiráveis. É um filme imperdível para quem quer fugir desses lugares comuns a que somos levados a conviver. Por esse e outros (motivos e filmes), que Ingmar Bergman é o cara!
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Höstsonaten, Alemanha Ocidental, França e Suécia - 1978. Dirigido por Ingmar Bergman. Com: Ingrid Bergman, Liv Ullmann. 99 minutos. Gênero: Drama.
Nota: 10.0

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Los Abrazos Rotos (2009)

Foto 1 - Lena e Harry Caine

A mais nova película do Almodóvar chama-se Los Abrazos Rotos, em português, o título ficou, Abraços Partidos. A trama gira em torno do mundo do cinema, mais especificamente, no ambiente de produção de um filme, melhor dizendo, nos bastidores da filmagem. O longa tem três personagens principais, são eles: Lena (Penélope Cruz), Mateo Blanco / Harry Caine (Lluís Homar) e Ernesto Martel (José Luis Gómez).

Até então, Mateo Blanco é um diretor/escritor, no momento, envolvido com sua nova película, "Chicas y Maletas". Por outro lado, Lena é uma secretária que possui um pai doente, e trabalha numa grande empresa de um economista chamado, Ernesto Martel. Para variar, histórias aparentemente sem conexão, nas mãos de Almodóvar tornam-se altamente imbricadas e dependentes uma das outras. Ernesto Martel nutre uma paixão há bastante tempo por Lena, entretanto, isso só será exposto em um momento delicado da vida dessa moça, quando seu pai em estado terminal de cancêr, precisa de cuidados médicos, que nem ela, nem sua mãe podem pagar. Em seu socorro, Martel leva seu pai ao melhor especialista da Europa no assunto, isso se passa no ano de 1992. Em 1994, Lena e Martel estão vivendo juntos, até então, parece estar tudo bem entre os dois, mas a oportunidade de atuar no filme de Mateo Blanco, vai mudar as vidas de todos em 360º.

Los Abrazos Rotos parece para mim, uma autoavaliação do próprio Almodóvar. Não no sentido literal do termo, mas figurativamente. Melhor dizendo, seus segredos e influências estão expostos a olhos vistos. No filme é narrada a história de um diretor/escritor que se converteu em um personagem, no seu próprio pseudônimo. Pra mim é isso que Almodóvar é, um diretor e um personagem simultaneamente. Sua marca e seu estilo são únicos, as mesmas cores vívidas, e as mesmas histórias, em primeira análise, sem pé nem cabeça. Faz referência a um trabalho seu, Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), nos presenteia com a presença de alguns artistas que trabalharam nesse longa de 1988. Ele faz uma película para os apreciadores e conhecedores do cinema mundial, e do seu cinema em particular. Há referências ao roteirista Arthur Miller e à atriz Marilyn Monroe, à Bette Davis, à Audrey Hepburn, aos filmes, Fanny e Alexandre e Fellini oito e meio, e Viagem à Itália e Ascensor para o cadafalso, e à Ingrid Bergman e George Sanders, e à Jeanne Moreau, respectivamente, e aos cineastas Fritz Lang, Nicholas Ray e Jules Dassin.

Aproveitando esse momento, é bom dizer que Abraços Partidos estrutura-se a partir de dois referenciais. O primeiro é a história de vida de Arthur Miller, essa vai dar sentido ao relacionamento entre Ernesto Martel e o seu filho, e a busca deste último de se vingar do pai. A segunda é mostrada a partir de uma cena do filme Viagem à Itália, de Roberto Rossellini. Nele, um casal com problemas conjugais, vivido por Ingrid Bergman e George Sanders, visita as ruínas de Pompéia. Lá, eles encontram corpos calcinados pela erupção do Vesúvio, que destruiu a cidade. Duas destas vítimas, que morreram abraçadas, ficarão assim pela eternidade, o que comove aquele casal em vias do rompimento. Essa narrativa influencia, então, Lena e Mateo, que desejam viver e morrer abraçados tal como aqueles corpos em Pompéia, mas como o próprio título do filme pré-anuncia não será possível.

O filme na sua metade final fica mais interessante, coincidentemente, quando as viagens temporais se encerram e Penélope Cruz toma a telona. Esse jogo temporal é necessário para explicar ao espectador como surge toda a trama, mas nem por isso, deixa de atrapalhar no entendimento do roteiro. Cinematograficamente, Los Abrazos Rotos está uma beleza. Estou me referindo às conexões entre texto e cenário. Cito quatro exemplos. 1) Lena é uma mulher infeliz, e vive com Ernesto Martel mais por gratidão e comodidade que por amor. Sente-se sufocada com o relacionamento, e nada melhor que a cena de sexo em Ibiza onde os dois estão embaixo dos lençóis para demonstrar isso. Neste momento, percebe-se a claustrofobia e a agonia que Lena sente ao se envolver com aquele homem. 2) O "acidente" da escada e momentos depois na sessão de radiografias no hospital representam as fraturas e o fim definitivo do relacionamento. Há uma relação direta entre a quebra dos ossos e o momento de Lena e Martel. 3) Quando Lena pede a Mateo para levá-la o mais longe daquele lugar, ou seja, longe de Martel e de tudo mais, imediatamente eles aparecem em um cenário/lugar que nos remete diretamente à Lua. 4) Quando Diego, um outro personagem, diz a Mateo que está tentando reconstruir algumas de suas fotos, e imediatamente aparece aquele mosaico de fotos recortadas, significa dizer que o garoto estava tentando montar um quebra-cabeça para entender e saber do seu passado e do próprio diretor.

Para Almodóvar, todas as situações cotidianas estão passíveis de se tornarem histórias intrigrantes e interconectadas. Nesse mesmo raciocínio, acredito que ele continua a pecar por incluir algumas tomadas desnecessárias ao desenvolvimento do enredo principal. Ou seja, ele inclui acessórios que não auxiliam em nada na compreensão do argumento do longa. Mas se diga de passagem, que há muito tempo ele recebe esse tipo de crítica. Por outro lado, aponto três qualidades que o fazem ganhar bônus. A primeira é a que já apontei, trata-se das conexões que faz para relacionar planos sensoriais diferentes. Especificamente, o visual com o auditivo. O segundo é a atuação dos atores. Tanto o Lluís Homar, quanto a Penélope Cruz estão muito bem em seus respectivos papéis. O ator faz uma composição corporal muito boa, e Penélope, ao mesmo tempo que está sensual, está bem, dramaticamente e comicamente. E o terceiro ponto é o uso que faz da intertextualidade e da paródia. Ou seja, é um filme feito para os amantes da sétima arte. Não são poucas as relações existentes em Los Abrazos Rotos, onde este, cita outros filmes, diretores, atrizes e roteiristas. Ao mesmo tempo, o próprio Almodóvar ainda em uma relação intertextual cita o seu próprio filme, Mulheres à beira de um ataque de nervos, com o objetivo de ironizá-lo, tornando-o mais dramalhão do que já era em 1988. Particularmente, adoro esse recurso da intertextualidade que ele usa. Além de aprender muito sobre cinema ao ver seus filmes, foi em um deles que conheci Bette Davis, então, acho que isso basta para dizer o quão sou grato a ele.

Apesar de todas a críticas que a película possa suscitar, ainda estamos falando de Almodóvar. Há problemas em seus filmes, mas suas qualidades e seu estilo conseguem minimizar as falhas. O que também não significa que elas não devam ser apontadas. Neste longa, ele continua com alguns excessos narrativos, mas nada que se sobreponha ao mérito da sua direção, do uso da sinestesia, e de suas intertextualidades. Há, realmente, uma falta de espírito espanhol caloroso explícito como em outras experiências, dessa vez, ele é muito mais simbólico, estilístico e visual, que meramente emotivo e apaixonado. Mesmo assim, ele é bastante recomendável, além do mais, não aconselharia ninguém a deixar de ver a beleza da Penélope Cruz nas telonas do cinema e a forma como percebemos que por trás da câmera há alguém que gosta bastante dela.

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Los Abrazos Rotos, Espanha - 2009. Dirigido por Pedro Almodóvar. Com: Penélope Cruz, Lluís Homar, Blanca Portillo, José Luis Gómez. 127 minutos. Gênero: Drama, Suspense.
Nota: 8.5

domingo, 6 de dezembro de 2009

Julie & Julia (2009)

É bom estar de volta ao chá de poejo, e melhor ainda, é retornar comentando um filme estrelado pela Meryl Streep.

Foto 1 - Meryl Streep como Julia Child

O longa da vez é Julie & Julia (2009), onde Streep interpreta Julia Child, e Amy Adams a Julie Powell. Julia Child, uma ex-secretária de uma entidade governamental norte-americana, muda-se com o marido para Paris. Cansada de não fazer nada, deculpem-me o oxímoro, tenta ocupar seu tempo, mas não sabe com o que. É nessa busca que ela percebe que o que mais gosta de fazer é comer, e então, decide entrar numa escola de culinária. Com um talento sensacional para a atividade, tornou-se um nome reconhecido mundialmente. Julie (Amy Adams) entra na trama em um momento de baixa autoestima profissional, e decide então, fazer algo que de fato, lhe dê prazer. Tal como a Julia Child, a Julie Powell também gosta da arte de cozinhar, e decide fazer um blog, onde ela possa comentar, depois de ter feito os pratos sugeridos no livro Mastering the Art of French Cooking de autoria da Julia.

Sobre as atuações. Não gostei da Amy Adams, muito sem graça, parece até uma criança. É uma interpretação com pouca expressividade, mesmo sendo o seu papel tão importante quanto o de Meryl Streep e havendo enormes possibilidades para enriquecê-lo. Por outro lado, você percebe a delicadeza da Streep, que interpreta uma mulher gigante para a média feminina, e com um sotaque daqueles carregados que ela adora compor. Ela consegue nos divertir, nesse papel de uma comilona que é obcecada por manteiga. Uma das marcas dela é a tranquilidade ao dizer suas falas, nunca há exitação, não se percebe uma busca por palavras, é tudo muito natural. Ela está leve como uma pluma, um colírio para os olhos.

O filme. Com certeza, não é o melhor do ano, nem um dos melhores. Sem a atuação da Meryl Streep seria mais um, dentre tantos outros. É impagável vê-la se divertindo literalmente em cena, fazendo de uma chefe da cozinha francesa aparentemente rude e meio desengonçada por causa do seu tamanho, muito mais agradável e divertida, que a "sem graça" e boazinha Amy Adams. Falando em ser meio desengonçada, é admirável o trabalho corporal (ver link com a verdadeira Julia) da mesma Streep. Ela, filme a filme, vem mostrando que é a atriz mais completa da atualidade. Em última análise, Julie & Julia é um longa para descontrair e relaxar, sem muitas pretensões, entretanto, uma coisa é bem verdadeira, ele re-valoriza o hábito pela boa gastronomia e o prazer em comer tão fora de moda com esses padrões de modelos esqueléticas e que só comem saladas. Eu recomendo assistir, esse é um bom exemplo de película para arejar a mente cansada, por isso, bon appétit!

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Julie & Julia, EUA - 2009. Dirigido por Nora Ephron. Com: Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci. 123 minutos. Gênero: Biografia, Comédia.

Nota: 8.0