terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Los Abrazos Rotos (2009)

Foto 1 - Lena e Harry Caine

A mais nova película do Almodóvar chama-se Los Abrazos Rotos, em português, o título ficou, Abraços Partidos. A trama gira em torno do mundo do cinema, mais especificamente, no ambiente de produção de um filme, melhor dizendo, nos bastidores da filmagem. O longa tem três personagens principais, são eles: Lena (Penélope Cruz), Mateo Blanco / Harry Caine (Lluís Homar) e Ernesto Martel (José Luis Gómez).

Até então, Mateo Blanco é um diretor/escritor, no momento, envolvido com sua nova película, "Chicas y Maletas". Por outro lado, Lena é uma secretária que possui um pai doente, e trabalha numa grande empresa de um economista chamado, Ernesto Martel. Para variar, histórias aparentemente sem conexão, nas mãos de Almodóvar tornam-se altamente imbricadas e dependentes uma das outras. Ernesto Martel nutre uma paixão há bastante tempo por Lena, entretanto, isso só será exposto em um momento delicado da vida dessa moça, quando seu pai em estado terminal de cancêr, precisa de cuidados médicos, que nem ela, nem sua mãe podem pagar. Em seu socorro, Martel leva seu pai ao melhor especialista da Europa no assunto, isso se passa no ano de 1992. Em 1994, Lena e Martel estão vivendo juntos, até então, parece estar tudo bem entre os dois, mas a oportunidade de atuar no filme de Mateo Blanco, vai mudar as vidas de todos em 360º.

Los Abrazos Rotos parece para mim, uma autoavaliação do próprio Almodóvar. Não no sentido literal do termo, mas figurativamente. Melhor dizendo, seus segredos e influências estão expostos a olhos vistos. No filme é narrada a história de um diretor/escritor que se converteu em um personagem, no seu próprio pseudônimo. Pra mim é isso que Almodóvar é, um diretor e um personagem simultaneamente. Sua marca e seu estilo são únicos, as mesmas cores vívidas, e as mesmas histórias, em primeira análise, sem pé nem cabeça. Faz referência a um trabalho seu, Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988), nos presenteia com a presença de alguns artistas que trabalharam nesse longa de 1988. Ele faz uma película para os apreciadores e conhecedores do cinema mundial, e do seu cinema em particular. Há referências ao roteirista Arthur Miller e à atriz Marilyn Monroe, à Bette Davis, à Audrey Hepburn, aos filmes, Fanny e Alexandre e Fellini oito e meio, e Viagem à Itália e Ascensor para o cadafalso, e à Ingrid Bergman e George Sanders, e à Jeanne Moreau, respectivamente, e aos cineastas Fritz Lang, Nicholas Ray e Jules Dassin.

Aproveitando esse momento, é bom dizer que Abraços Partidos estrutura-se a partir de dois referenciais. O primeiro é a história de vida de Arthur Miller, essa vai dar sentido ao relacionamento entre Ernesto Martel e o seu filho, e a busca deste último de se vingar do pai. A segunda é mostrada a partir de uma cena do filme Viagem à Itália, de Roberto Rossellini. Nele, um casal com problemas conjugais, vivido por Ingrid Bergman e George Sanders, visita as ruínas de Pompéia. Lá, eles encontram corpos calcinados pela erupção do Vesúvio, que destruiu a cidade. Duas destas vítimas, que morreram abraçadas, ficarão assim pela eternidade, o que comove aquele casal em vias do rompimento. Essa narrativa influencia, então, Lena e Mateo, que desejam viver e morrer abraçados tal como aqueles corpos em Pompéia, mas como o próprio título do filme pré-anuncia não será possível.

O filme na sua metade final fica mais interessante, coincidentemente, quando as viagens temporais se encerram e Penélope Cruz toma a telona. Esse jogo temporal é necessário para explicar ao espectador como surge toda a trama, mas nem por isso, deixa de atrapalhar no entendimento do roteiro. Cinematograficamente, Los Abrazos Rotos está uma beleza. Estou me referindo às conexões entre texto e cenário. Cito quatro exemplos. 1) Lena é uma mulher infeliz, e vive com Ernesto Martel mais por gratidão e comodidade que por amor. Sente-se sufocada com o relacionamento, e nada melhor que a cena de sexo em Ibiza onde os dois estão embaixo dos lençóis para demonstrar isso. Neste momento, percebe-se a claustrofobia e a agonia que Lena sente ao se envolver com aquele homem. 2) O "acidente" da escada e momentos depois na sessão de radiografias no hospital representam as fraturas e o fim definitivo do relacionamento. Há uma relação direta entre a quebra dos ossos e o momento de Lena e Martel. 3) Quando Lena pede a Mateo para levá-la o mais longe daquele lugar, ou seja, longe de Martel e de tudo mais, imediatamente eles aparecem em um cenário/lugar que nos remete diretamente à Lua. 4) Quando Diego, um outro personagem, diz a Mateo que está tentando reconstruir algumas de suas fotos, e imediatamente aparece aquele mosaico de fotos recortadas, significa dizer que o garoto estava tentando montar um quebra-cabeça para entender e saber do seu passado e do próprio diretor.

Para Almodóvar, todas as situações cotidianas estão passíveis de se tornarem histórias intrigrantes e interconectadas. Nesse mesmo raciocínio, acredito que ele continua a pecar por incluir algumas tomadas desnecessárias ao desenvolvimento do enredo principal. Ou seja, ele inclui acessórios que não auxiliam em nada na compreensão do argumento do longa. Mas se diga de passagem, que há muito tempo ele recebe esse tipo de crítica. Por outro lado, aponto três qualidades que o fazem ganhar bônus. A primeira é a que já apontei, trata-se das conexões que faz para relacionar planos sensoriais diferentes. Especificamente, o visual com o auditivo. O segundo é a atuação dos atores. Tanto o Lluís Homar, quanto a Penélope Cruz estão muito bem em seus respectivos papéis. O ator faz uma composição corporal muito boa, e Penélope, ao mesmo tempo que está sensual, está bem, dramaticamente e comicamente. E o terceiro ponto é o uso que faz da intertextualidade e da paródia. Ou seja, é um filme feito para os amantes da sétima arte. Não são poucas as relações existentes em Los Abrazos Rotos, onde este, cita outros filmes, diretores, atrizes e roteiristas. Ao mesmo tempo, o próprio Almodóvar ainda em uma relação intertextual cita o seu próprio filme, Mulheres à beira de um ataque de nervos, com o objetivo de ironizá-lo, tornando-o mais dramalhão do que já era em 1988. Particularmente, adoro esse recurso da intertextualidade que ele usa. Além de aprender muito sobre cinema ao ver seus filmes, foi em um deles que conheci Bette Davis, então, acho que isso basta para dizer o quão sou grato a ele.

Apesar de todas a críticas que a película possa suscitar, ainda estamos falando de Almodóvar. Há problemas em seus filmes, mas suas qualidades e seu estilo conseguem minimizar as falhas. O que também não significa que elas não devam ser apontadas. Neste longa, ele continua com alguns excessos narrativos, mas nada que se sobreponha ao mérito da sua direção, do uso da sinestesia, e de suas intertextualidades. Há, realmente, uma falta de espírito espanhol caloroso explícito como em outras experiências, dessa vez, ele é muito mais simbólico, estilístico e visual, que meramente emotivo e apaixonado. Mesmo assim, ele é bastante recomendável, além do mais, não aconselharia ninguém a deixar de ver a beleza da Penélope Cruz nas telonas do cinema e a forma como percebemos que por trás da câmera há alguém que gosta bastante dela.

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Los Abrazos Rotos, Espanha - 2009. Dirigido por Pedro Almodóvar. Com: Penélope Cruz, Lluís Homar, Blanca Portillo, José Luis Gómez. 127 minutos. Gênero: Drama, Suspense.
Nota: 8.5

5 comentários:

Fernando disse...

De fato, a intertextualidade de Almodóvar é o ponto forte de Abraços Partidos. Sem contar suas tomadas de camera, fotografia e desfecho de seus personagens tão peculiares em toda a sua cinemagrafia.
Contudo, esperava mais dele e também de Penélope Cruz, talvez por criar expectativas exageradas... é claro que não é um filme ruim, apenas abaixo do esperado.

Vinícius P. disse...

Como comentei outras vezes, sempre é um prazer ver algum filme do Almodóvar, até mesmo esses nos quais ele não apresenta seu melhor cinema.

Santiago. disse...

Fernando,

é como comentei no seu blog, Abraços Partidos é um sinal de que Almodóvar que mudar algo no seu cinema, e claro que depois de anos, acostumados com um estilo, nós sentimos a diferença.

Abraço.



Vinícius,

concordo plenamente contigo.

Abraço.

Matheus Pannebecker disse...

Eu não gostei muito. Claro que Almodóvar é sempre bom e esse "Abraços Partidos" é melhor do que muita coisa por aí. Mas, o diretor ficou devendo e o filme parece não ter sido dirigido por ele.

Santiago. disse...

Oi Matheus,

acredito que o comentário que fiz para o Fernando, também serve para você. Penso que Almodóvar que mudar algo no seu cinema, entretanto, depois de anos, acostumados com um estilo, nós sentimos a diferença. Vamos ver se isso será confirmado no seu próximo longa.

Abraço

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