Entrar no mundo de Ingmar Bergman é conhecer as angústias e os demônios desse cineasta, e ao mesmo tempo, ficar cara a cara com os nosso próprios medos. O cinema deste sueco não é divertimento, poucos são aqueles que conseguem discutir questões tão particulares e existenciais de maneira tão profunda e bela. A experiencia de assistir a um de seus filmes, tanto emocionalmente, quanto esteticamente, não possui equivalente, muito menos, nos tempos atuais.
Um bom exemplo disso é o filme Höstsonaten (1978), em português, Sonata de Outono. Ele narra a história de uma mãe superficial e dominadora, chamada Charlotte Andergast, interpretada por Ingrid Bergman. Quero deixar claro, que o sentido de superficial aqui empregado, não está relacionado ao sentido de uma mulher alienada, visto que ela tem ciência de todas suas atitudes, se ela age assim é de maneira intencional. Charlotte após a perda de um amigo, com quem mantinha um relacionamento, viaja para a casa de sua filha que a convidou para passar uns tempos com ela. A filha, que se chama Eva, é interpretada por Liv Ullmann. Eva, em um primeiro momento, parece apenas possuir inveja da mãe, entretanto, com o desenvolvimento do longa, percebe-se que ela sofre intensamente por certas razões. A primeira é o fato de ter perdido seu único filho, o que a afastou do relacionamento com seu marido, e a segunda, é o recentimento e a mágoa que sente por sua mãe. Charlotte é uma pianista bastante conhecida, e que desde cedo nunca parou em casa, sempre esteve cuidando da sua carreira profissional. Logo, foi uma mãe relapsa que mesmo quando estava em casa não dava a atenção necessária a filha.
Entretanto, anos depois, na visita que Charlotte faz à filha, Eva, o passado volta à tona. A primeira coisa que a mãe descobre é que Eva cuida, atualmente, de sua também filha, Helena. Esta última, sofre de uma doença nervosa degenerativa, o que causa mais indiferença à Charlotte, que se pergunta, inclusive, o porquê dela não ter morrido ainda. No entanto, o foco do filme baseia-se nos confrontos diretos entre Ingrid Bergman e Liv Ullmann. E são nesses momentos que o espectador possui um sentimento de claustrofobia. Da mesma forma em que as personagens sofrem nas discussões, nós também nos percebemos diretamente envolvidos com a trama. Esta película vale mais que um desses filmes de terror. Ou seja, o drama psicológico vivido por essas mulheres tomam ar de pesadelo que se confunde entre o real e o imaginário.
As atrizes estão sensacionais, também, não esperava nada menos que isso dessa dupla, Bergman e Ullmann. A característica fundamental de suas personagens é a tristeza. Contudo, enquanto a primeira mostra-se orgulhosa, e pisa em seus medos com pé firme e impetuoso, a segunda mostra-se, afetada e abalada, ao não conseguir esconder a sua fragilidade. Uma cena, quero dizer, uma das cenas marcantes da película é a do piano. Nela, fica explícita as personalidades delas, e tudo isso, movido ao som marcante de Chopin. Eva possui uma interpretação de Chopin, tímida e introvertida, mas não errada. Sua mãe imediatamente percebe essas suas características. Ou seja, ela sente a personalidade da filha enquanto a música é tocada. Ao fim, Eva pergunta a mãe: Gostou?, e ela responde: Gostei de você. A filha, percebe que a mãe não gostou da sua apresentação, e então pede para que ela mostre como deveria ser a interpretação daquela composição. Charlotte, sem hesitar, senta-se ao lado da filha, e começa uma introdutória, porém esmagadora explicação daquele prelúdio. É aí que ela mostra a sua personalidade, ela diz sobre a composição: “Há dor, mas sem parecer”. E conclui, “Você precisa ser persistente e emergir triunfante”. Tudo isso fica melhor de ser entendido vendo a cena.
"Sonata de Outono" é um dos mais belos filmes do cineasta Ingmar Bergman, ele é ao mesmo tempo, comovente e extremamente realista. Cada expressão, cada momento, cada fala, tudo soa verdadeiro. Sua história narra mais uma complicada relação familiar, tema tão presente e caro para esse diretor. Ódio, contradições, angústia, desprezo, medo, tristeza, dúvidas, incertezas, remorsos, são adjetivos adequados para compreender a essência dessa película. Após um longo tempo sem se ver, o reencontro entre mãe e filha, inicialmente marcado pelo entusiasmo, logo muda, surgindo daí, um enfrentamento com cenas de marcante violência psicológica. As atuações de Ingrid Bergman e Liv Ullmann são excepcionais, tocantes, perturbadoras e admiráveis. É um filme imperdível para quem quer fugir desses lugares comuns a que somos levados a conviver. Por esse e outros (motivos e filmes), que Ingmar Bergman é o cara!
--------------------------------------------------------------------------------------------Höstsonaten, Alemanha Ocidental, França e Suécia - 1978. Dirigido por Ingmar Bergman. Com: Ingrid Bergman, Liv Ullmann. 99 minutos. Gênero: Drama.
Nota: 10.0
3 comentários:
Dá vontade de ter a coleção completa de Ingmar Bergman. Todos seus filmes ótimos... um dos melhores diretores da história do cinema! Ainda não assisti à Sonata de Outono, mas parece ser perturbador... Marcado para as férias!
Preciso começar a ver as obras do Bergman, seus filmes parecem ser imperdíveis mesmo, mas nunca tenho muita facilidade em encontrá-los.
Oi Fernando,
realmente, dos filmes que conheço dele, só posso dizer que todos são sensacionais, e não estou exagerando. Estou com algumas pendências com os filmes de Bergman, mas é que preciso estar com o espírito preparado para o que vou assistir, é fato, que você fica acabado depois de vê-los. E sobre "Sonata de Outono" é recomendadíssimo.
Abraço.
Oi Vinícius,
realmente, eles são um pouco escassos nas nossas locadoras, mas se você não conseguir dessa forma, tenta apelar para a internet. O que não dá é ficar sem conhecer a obra desse grande mestre da sétima arte.
Abraço.
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