Nada melhor do que hoje, onde se comemora os 20 anos de libertação de Mandela da prisão, para escrever sobre Invictus. Este que é o novo longa de Clint Eastwood, narra a história de Mandela, recém empossado presidente da África do Sul, e o seu envolvimento com o esporte, em busca da unificação racial/nacional do seu país. No entanto, é preciso ressaltar que Invictus não é nem biográfico, nem sobre o rugby. Na verdade, esses dois aspectos são usados apenas como elementos, importantes, porém, de passagem, para se discutir as condições sociais entre negros e brancos sul-africanos. Tendo Morgan Freeman (Nelson Mandela) no papel principal, a película consegue emocionar muito mais do que outros filmes dramáticos. Mesmo sem cenas melodramáticas, ou apelações de teor maniqueístas, a garra e a vontade de um homem em liderar seu povo em busca de reconciliação, em um Estado à beira de uma guerra civil, vale cada segundo dos 133 minutos de película.
Como de costume, Eastwood de forma simples, sempre vai ao ponto naquilo que quer. Isso é evidenciado na primeira cena do longa, que mostra a divisão entre os campos do negros e dos brancos, e os esportes praticados por ambos. Freeman está muito bem no papel, a calma característica de Mandela está presente, tal como a sua serenidade, perfeitamente representada na cena em que lê na manchete do jornal: "Ele foi capaz de ganhar uma eleição. Será capaz de governar um país?" Ao invés de retruncar negativamente a provocação, a aceita e a considera justa. Matt Damon (François Pienaar) está regular, não vi nada que chamasse muito a minha atenção e que justificasse todas as indicações a prêmios nesta temporada. Pode não ser a obra-prima do Eastwood, e de fato não é, no entanto, seu estilo direto e compreensível de tratar questões complexas mostra sua grande maturidade e entendimento sobre o cinema e a segregação racial no país de Mandela.
Os comentários sobre o filme acabam aqui, a seguir, comentários adicionais sobre a sociedade sul-africana pós-apartheid.
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Como cantava a escola de samba Unidos de Vila Isabel em seu desfile antológico no carnaval de 1988, "e que o "apartheid" se destrua", de fato, o sistema implantado pelos descendentes dos colonizadores caiu por terra em 1994 quando Mandela tornou-se presidente. No entanto, nem tudo que foi prometido pelo seu governo, foi cumprido. É claro que isso aconteceria, e que a realidade é mais difícil do que a revelada na película. Os desníveis entre brancos e negros não foram extintos com o jogo de rugby retratado.
A situação da próxima sede da Copa do Mundo de Futebol ainda é complicada. A lógica do Apartheid ainda funciona para explicar as desigualdades sociais na África do Sul dezesseis anos após seu término. Os brancos recebem mais que sete vezes aquilo que os negros ganham. E gastam mais do que seis vezes quando comparado com os negros. Além disso, se juntarmos o grupo branco, ao de asiáticos, eles representam aproximadamente, 80% dos rendimentos e despesas na África do Sul, sendo que juntos, eles somam apenas, 13,1% da população.
No entanto, mais alarmante é observar a linha de pobreza na África do Sul, e analisar como ela se comporta quando a dividimos pelo balizador raça. Se temos como parâmetro para a linha de pobreza o valor de $ 1/dia, temos que mais de 11% dos negros estão abaixo dessa linha, mas se o critério for, $ 2/dia, esse valor sobe para mais de 40% da população negra. No entanto, quando olhamos a curva que caracteriza os brancos, vemos que eles são os mais abastados, e que os valores monetários colocados na reta não satisfazem sua curva.
Novamente, sendo que o assunto agora é educação, observamos a predominância de brancos quando comparado aos negros. Apenas 5% de negros conseguem alcançar o ensino superior neste país. Enquanto que mais de 30% dos brancos alcançam esse feito. Além disso, 30% e 20% dos negros alcançam apenas o nível primário e secundário de instrução respectivamente, obtendo valores maiores do que os brancos, mas isso é explicado pelo fato destes, conseguirem alcançar o topo da hierarquia do ensino, e logo, não ficam apenas no ensino secundário ou primário. No mais, quase 15% da população negra sul-africana, não possui educação formal, enquanto que isso para os brancos inexiste.
Sem dúvida, a África do Sul continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Em 2001, seu coeficiente de Gini alcançou o patamar de 0,64 - lembrando que quanto mais o valor se aproxima de 1,00, pior é a distribuição de riquezas do país - ou seja, um valor muito alto. E o pior, mesmo depois do Apartheid, a desigualdade não vem retraindo. Outro fato alarmante, é a concentração de renda dentro dos próprios grupos raciais. Se tomarmos o grupo negro, vemos que seu coeficiente é de 0,72 em 2001, muito superior ao dos brancos que é 0,60, e a média nacional de 0,64 para 2001.
Esse breve panorama serve para dizer que os ideais de igualdade de Mandela ainda estão longe de se tornarem realidade. Mas imagine o que seria da África do Sul, se em 1994 seu presidente não tivesse prezado pela reconciliação, e o país tivesse entrado em guerra civil?
Como de costume, Eastwood de forma simples, sempre vai ao ponto naquilo que quer. Isso é evidenciado na primeira cena do longa, que mostra a divisão entre os campos do negros e dos brancos, e os esportes praticados por ambos. Freeman está muito bem no papel, a calma característica de Mandela está presente, tal como a sua serenidade, perfeitamente representada na cena em que lê na manchete do jornal: "Ele foi capaz de ganhar uma eleição. Será capaz de governar um país?" Ao invés de retruncar negativamente a provocação, a aceita e a considera justa. Matt Damon (François Pienaar) está regular, não vi nada que chamasse muito a minha atenção e que justificasse todas as indicações a prêmios nesta temporada. Pode não ser a obra-prima do Eastwood, e de fato não é, no entanto, seu estilo direto e compreensível de tratar questões complexas mostra sua grande maturidade e entendimento sobre o cinema e a segregação racial no país de Mandela.
Os comentários sobre o filme acabam aqui, a seguir, comentários adicionais sobre a sociedade sul-africana pós-apartheid.
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Invictus, Estados Unidos - 2009. Dirigido por Clint Eastwood. Com: Morgan Freeman, Matt Damon. 133 minutos. Gênero: Drama, Histórico.
Nota: 8.5 (revista)
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Como cantava a escola de samba Unidos de Vila Isabel em seu desfile antológico no carnaval de 1988, "e que o "apartheid" se destrua", de fato, o sistema implantado pelos descendentes dos colonizadores caiu por terra em 1994 quando Mandela tornou-se presidente. No entanto, nem tudo que foi prometido pelo seu governo, foi cumprido. É claro que isso aconteceria, e que a realidade é mais difícil do que a revelada na película. Os desníveis entre brancos e negros não foram extintos com o jogo de rugby retratado.
A situação da próxima sede da Copa do Mundo de Futebol ainda é complicada. A lógica do Apartheid ainda funciona para explicar as desigualdades sociais na África do Sul dezesseis anos após seu término. Os brancos recebem mais que sete vezes aquilo que os negros ganham. E gastam mais do que seis vezes quando comparado com os negros. Além disso, se juntarmos o grupo branco, ao de asiáticos, eles representam aproximadamente, 80% dos rendimentos e despesas na África do Sul, sendo que juntos, eles somam apenas, 13,1% da população.
No entanto, mais alarmante é observar a linha de pobreza na África do Sul, e analisar como ela se comporta quando a dividimos pelo balizador raça. Se temos como parâmetro para a linha de pobreza o valor de $ 1/dia, temos que mais de 11% dos negros estão abaixo dessa linha, mas se o critério for, $ 2/dia, esse valor sobe para mais de 40% da população negra. No entanto, quando olhamos a curva que caracteriza os brancos, vemos que eles são os mais abastados, e que os valores monetários colocados na reta não satisfazem sua curva.
Novamente, sendo que o assunto agora é educação, observamos a predominância de brancos quando comparado aos negros. Apenas 5% de negros conseguem alcançar o ensino superior neste país. Enquanto que mais de 30% dos brancos alcançam esse feito. Além disso, 30% e 20% dos negros alcançam apenas o nível primário e secundário de instrução respectivamente, obtendo valores maiores do que os brancos, mas isso é explicado pelo fato destes, conseguirem alcançar o topo da hierarquia do ensino, e logo, não ficam apenas no ensino secundário ou primário. No mais, quase 15% da população negra sul-africana, não possui educação formal, enquanto que isso para os brancos inexiste.
Sem dúvida, a África do Sul continua sendo um dos países mais desiguais do mundo. Em 2001, seu coeficiente de Gini alcançou o patamar de 0,64 - lembrando que quanto mais o valor se aproxima de 1,00, pior é a distribuição de riquezas do país - ou seja, um valor muito alto. E o pior, mesmo depois do Apartheid, a desigualdade não vem retraindo. Outro fato alarmante, é a concentração de renda dentro dos próprios grupos raciais. Se tomarmos o grupo negro, vemos que seu coeficiente é de 0,72 em 2001, muito superior ao dos brancos que é 0,60, e a média nacional de 0,64 para 2001.
Esse breve panorama serve para dizer que os ideais de igualdade de Mandela ainda estão longe de se tornarem realidade. Mas imagine o que seria da África do Sul, se em 1994 seu presidente não tivesse prezado pela reconciliação, e o país tivesse entrado em guerra civil?
6 comentários:
Gosto muito deste estilo de Clint Eastwood em simplificar o tema que aborda. Simplificar não no sentido de deixar banal, mas traduzir a complexidade do roteiro em linguagem cinematográfica. Invictus não é seu melhor trabalho, mas ainda assim é uma ótima pedida.
Um bom filme, sem dúvida, mas para mim não vai muito além disso (bem como todos os longas recentes do Clint Eastwood).
curti muito seus comentários sobre a Africa do Sul.apesar da situação ainda ser ruim, houve um avanço.
quanto ao filme, não virei fã. gosto demais do Eastwood, mas dessa vez ele não me convenceu... infelizmente.
abs!
Engraçado que vi muitas falhas no filme, mas fui conquistado mesmo assim. É o poder de Eastwood, acredito. Bela análise (cinematográfica e histórica).
Realmente não vi nada demais nesse filme... Faltou alguma coisa nele, assim como faltou em "Gran Torino" e "A Troca"...
Um filme mais ou menos do Eastwood é melhor que a maioria dos filmes bons dos outros. Invictus é uma prova disso.
Um abraço para todos!
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