Curar alguém considerado socialmente louco é possível? Realmente, não faço a mínima ideia. No entanto, transformar alguém em louco, é totalmente razoável. E se a intenção do Martin Scorsese era essa, ele conseguiu, pelo menos comigo. Há muito tempo não ficava confuso ao ver um filme. Explico-me melhor. Às vezes a confusão acontece porque não se compreende a trama, como quando vi The Doom Generation do Gregg Araki, outras vezes, a confusão significa imersão total na obra, ou seja, a “mão invisível” do diretor atua sobre o espectador, e ele fica atordoado, com dúvidas. Essa última descrição cabe perfeitamente em Shutter Island, o novo longa do Scorsese.
Quem está em teste, quem está sendo procurado, quem é que precisa decifrar o “enigma da esfinge”, nós ou o Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio)? Scorsese retrata a psique humana como há muito tempo eu não via, para ser mais preciso, desde Persona do Ingmar Bergman. Acredito que a fonte inicial do diretor, recém premiado com o Prêmio Cecil B. DeMille da HFPA, foi um filme dos anos de 1960 – The Manchurian Candidate – se puderem, dêem uma espiada nele. Além disso, que trabalho de cinematografia, posso citar a cena inicial com o barco saindo do nevoeiro, e aquela ilha rochosa ao fundo, beira ao poético, fora o acompanhamento sonoro. No mais, várias são as leituras sobre a película (Shutter Island), visto que vemos, ao menos, dois filmes diferentes, com dois protagonistas distintos. Inicialmente, pensamos em manipulação, em seguida, que os loucos são ótimos atores. E nesse contexto não há espaço para juízos de valores ou regras morais, além de que, o que é moral para os viventes naquele manicômio?
Não sei se o DiCaprio poderá evoluir mais do que isso, mas que ele já não é mais o mesmo de Diamante de Sangue, isso ele não é. Você o viu atuando neste filme? Nessa época sim, ele era um desastre! Isso confirma a minha hipótese de que um bom diretor exerce uma influência inimaginável sobre o ator. Em nenhum outro momento da sua carreira, eu o vi adentrando tão profundamente em um labirinto tal qual o do minotauro. Ele percorre um caminho que por mais cartesiano que queira ser, não consigo descrever linearmente. Quer dizer, até consigo, mas as nuances narrativas só o ator consegue nos transmitir, e acredito que ele consegue fazer isso. Se ele era o mais indicado para o papel, ai já é outra discussão.
Sobre o final que alguns julgam previsível, eu digo: previsível é uma ova! Aquele desfecho é o que explica o que de fato aconteceu durante todo o tempo sem que percebêssemos. De fato, eu estava tanto quanto o Teddy no mundo dos sonhos. Os parâmetros iniciais que para nós pareciam ser verdadeiros, viram poeira tal como na cena em que DiCaprio abraça a esposa e ela vira cinzas. Chega um momento que perdemos as referências do que é lucidez ou delírio no protagonista. Estamos presos com Teddy em um horror psicológico onde o real é apenas um detalhe, e o imaginado ou a loucura - como preferirem - é o predominante. Não sei se fui ingênuo, só sei que em mim os mistérios da ilha surtiram efeito.
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Shutter Island (Ilha do Medo), Estados Unidos - 2010. Dirigido por Martin Scorsese. Com: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Max von Sydow, Michelle Williams, Patricia Clarkson. 138 minutos. Gênero: Drama, Suspense.
Nota: 9.4