quinta-feira, 31 de março de 2011

A cortina de ferro à moda brasileira

Em uma semana onde muitos se indignaram e discutiram temas como intolerância, preconceito, e reminiscências da ditadura de 64, parece que o episódio envolvendo o deputado Jair Bolsonaro foi feito sobre encomenda. Há exatos 47 anos, o Brasil entrava numa das suas fases mais conturbadas e difíceis politicamente e civilmente. Hoje, eu estou postando novamente um texto que escrevi em 13 de dezembro de 2008. Por quê? Essa semana foi prova de que o tema está mais vivo do que nunca, e que não se pode relaxar quando o tema é privação de direitos políticos e civis. Apresento, logo abaixo, uma tabela que, resumidamente, define o que, segundo José Murilo de Carvalho são os direitos civis, políticos e sociais. O texto não discute o início da ditadura, como a data de hoje marca, mas o AI-5, um dos atos mais obscuros e repressores dos 21 anos de regime militar.

Clique na imagem para vê-la em tamanho maior

Em 13 de dezembro de 1968, era promulgado o Ato Institucional número cinco, o famoso, AI-5. Neste ano, voltaram a ocorrer mobilizações contra o governo militar, sobretudo, entre operários e estudantes. Duas greves marcaram as manifestações operárias e os estudantes também saíram em marchas pela redemocratização. Numa dessas, o estudante Edson Luís fora morto. Para conter as manifestações de oposição, o general Costa e Silva decretou o AI-5, que dava poderes ao presidente para fechar o Congresso, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Além de poder cassar mandatos de parlamentares, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer pessoa, demitir funcionários públicos, decretar estado de sítio, e suspender garantias judiciais, como o habeas corpus, nos casos de crime contra a “segurança nacional”.

Desta maneira, o regime fechava todas as chances de expressão e oposição popular ao governo. Assim, a cortina de ferro à moda brasileira se constituía, estabelecendo um episódio de isolamento e extrema repressão, com relação a participação e mobilização política e cívica. Com o AI-5, a ditadura entrou em sua fase mais cruel, com perseguições, prisões, tortura e morte de opositores. Após quarenta anos, esse é um tema que sempre deve emergir do imaginário social. Este é um dos papéis da História, fazer surgir questões que não devem ser repetidas, além de contribuir para uma reflexão crítica. Mesmo vivendo em um Estado democrático de direito, ainda que formalmente, é fundamental que esta data, e o que ela significou para uma geração, seja sempre lembrada, e o seu significado debatido.
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*A imagem é uma adaptação minha, de uma famosa litografia do escultor estadunidense, Richard Serra. O original faz menção ao governo Bush, e ao invés de AI-5, tem escrito STOP BUSH.

**A parte histórica do texto foi construída a partir do Livro – CARVALHO, José Murilo. (2007). Cidadania no Brasil. São Paulo, Civilização Brasileira..

***Vale a pena conferir o programa da TV Brasil que será exibido a partir do dia 04 de abril. O nome: O dia que durou 21 anos, ver mais informações aqui.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A qualidade da educação* explica o desenvolvimento econômico-social dos países?

Em fevereiro de 2009, eu escrevi um texto com esse mesmo título, para vê-lo, clique aqui. Hoje, depois de 2 anos, volto a escrever um novo artigo, com o mesmo título e debatendo o mesmo assunto. A questão agora é saber se as posições das Universidades brasileiras mudaram, e se os países que figuravam nas primeiras colocações, como detendo os melhores centros de pesquisa, ainda são os mesmos.

Periodicamente são divulgadas as listas das melhores universidades do mundo**. Para escolhê-las são levados em consideração diversos critérios. Citando um dos mais importantes, temos a forma como a Instituição de Ensino gera e comunica à sociedade seu conhecimento científico. O intuito de listas desta natureza é mensurar a atividade e a visibilidade das Instituições, tentando criar um indicador capaz de mostrar o impacto e o prestígio das Universidades.


A lista da “Webometrics Ranking of World Universities” consistiu num estudo de mais de 20.000 Universidades ao redor do mundo. E em seu site estão disponíveis os dados com as 500 melhores. Em sua classificação, o MIT (Massachusetts Institute of Technology – www.mit.edu) que era a número 1 em 2009, continua na mesma posição. No caso brasileiro, tivemos uma boa notícia. Em 2009, tínhamos 9 representantes, em 2011 esse número pulou para 12, onde figuram duas Universidades nordestinas. E, além disso, as colocações das Universidades brasileiras mudaram em relação a 2009. Nos quadros abaixo, se vê as melhores Universidades do mundo em 2011, segundo a pesquisa, e as Universidades brasileiras melhor classificadas em 2011 e 2009.

Da lista do Webometrics Ranking of World Universities, eu ainda destaco quantas Universidades são consideradas as melhores por continente, veja a informação no quadro 3. E, posteriormente, no quadro 4, estão elencados os países ao redor do mundo que detem as melhores Universidades.

Enfim, depois de tantas tabelas, e tantos números, para quê serviu esta postagem? A primeira coisa que pensei após olhar os resultados dessas pesquisas foi indagar sobre a questão das desigualdades existentes entre os países que possuem o melhor nível de educação superior do mundo e os outros, inclusive, o Brasil. Não precisa ser muito esperto para verificar que os dez primeiros países de cada ranking quase sempre são os mais desenvolvidos, tanto economicamente, quanto em qualidade de vida. Apenas ressaltando que mais de 4/5 das melhores Universidades se encontram em apenas 15 países. Ainda interpretando os dados, vejo que as desigualdades não se dão apenas entre países, mas também ocorre no âmbito regional. Basta observar quais são as melhores universidades brasileira, entre elas eu não vi a federal do Acre, por exemplo. Apesar de que este quadro parece mudar com a inclusão da UFBA e a UFPE, porém esta mudança precisa ser impulsionada em direção ao interior do Brasil. Dessa maneira, ainda há uma hegemonia de Instituições do eixo Sul-Sudeste. Neste post, não vou explicitar uma opinião fechada, vou apenas indagar: Será que a qualidade da educação explica o desenvolvimento econômico-social dos países? A resposta parece óbvia, mesmo havendo quem não “queira” ver.
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* O sentido de educação empregado aqui, é de produção de pesquisa, conhecimento e novas tecnologias.
** Mais informações, inclusive sobre a metodologia empregada na pesquisa, basta consultar o hiperlink indicado. Todos os rankings estão disponíveis no site do realizador da pesquisa.
P.S.: Todas as tabelas foram feitas com dados coletados do 'Webometrics Ranking of World Universities'.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Who's Afraid of Virginia Woolf? (1966)

Foto 1 - Richard Burton e Elizabeth Taylor em 'Quem Tem Medo de Virginia Woolf?’

‘Quem Tem Medo de Virginia Woolf?’ é sarcasmo puro, do começo ao fim. Muito bem afinados e afiados, o casal Elizabeth Taylor e Richard Burton transforma o longa em uma experiência avassaladora. Provavelmente, o casal fez das suas brigas privadas/intimas um ótimo laboratório para poderem interpretar seus personagens. É difícil dizer em poucas palavras qual o fio condutor da trama, o roteiro é bastante complexo. Às vezes, pensamos que conseguimos captar a ideia principal, mas no momento seguinte, somos levados a questionar nossas convicções anteriores, e eis que o roteiro torna-se um enigma novamente.

O fato é que os inesquecíveis, George (Burton) e Martha (Taylor), são dois sádicos, que em jogos particulares acabam envolvendo terceiros, de forma a atingirem ou compartilhar seus problemas e desilusões pessoais. Em uma noite regada a bastante álcool e insultos, o casal começa a exteriorizar todas suas ilusões sem nenhum tipo de pudor. Dessa forma, somos totalmente levados a perceber o quanto de sujeira se esconde debaixo do tapete de casamentos por conveniência. Anos de hipocrisia vão aparecendo, até que a mais grave das ilusões é desvendada. Por outro lado, o casal convidado é uma replicação jovem do que já fora George e Martha um dia, e é claro que eles não vão deixar isso passar em branco. Afinal, a frase de ordem da noite é: Abaixo ao cinismo e meias-verdades!

A película já me ganha nos minutos iniciais quando os dois protagonistas discutem sobre uma fala: What a dump! Fala que é proferida por Bette Davis, no filme Beyond the Forest (1949). Além disso, há cenas espetaculares, como a que George ‘atira’ em Martha, ou as falas, ou melhor, as sacadas e a rapidez com que as falas são ditas no primeiro contato que temos entre o casal e os convidados. Por que não se fazem mais filmes fortemente baseados no roteiro e nas interpretações? Eu até tenho alguns palpites, talvez o James Cameron pudesse responder melhor a isso, ops... Esse longa é obrigatório em qualquer coleção, de qualquer cinéfilo, e falo isso sem titubear. Definitivamente, Elizabeth Taylor provou não ser apenas um rostinho e corpinho bonito na tela. No papel de Martha, ela aparece mais envelhecida e com muitos quilos a mais do que o público estava acostumado a ver. E o que ela faz? Dá um show, uma aula de como ser agressiva, megera, carente, frágil, fútil, estúpida e bêbada.
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Who's Afraid of Virginia Woolf? (Quem Tem Medo de Virginia Woolf?), Estados Unidos - 1966. Dirigido por Mike Nichols. Com: Elizabeth Taylor, Richard Burton, Sandy Dennis, George Segal. 131 minutos. Gênero: Drama.

Nota: 9.5

quinta-feira, 24 de março de 2011

Suddenly, Last Summer (1959)

Foto 1 - Katharine Hepburn, Montgomery Clift e Elizabeth Taylor em cena

Ver as atuações de Katharine Hepburn, Elizabeth Taylor e Montgomery Clift em uma mesma cena é ter a sensação de presenciar a ‘santíssima trindade’ tomando formas humanas perante seus olhos. Falar das qualidades artísticas da Hepburn é ser redundante, em 1959 já era reconhecidamente um dos maiores nomes do Cinema mundial. Sempre precisa e forte, momento algum hesitante ou superficial. E a Taylor? Jovem, sensual e dramática ao ponto de deixarmos de lado até os exageros do roteiro.

Na verdade toda a película anda sobre uma ‘corda bamba’. Diversos temas são tratados no longa, porém, o mais ‘controverso’ é o da homossexualidade. Desde o ano de 1934, o cinema norte-americano era observado de perto por entidades que julgavam serem as guardiãs da moralidade. De acordo com o documentário, ‘O outro lado de Hollywood’, o filme recebeu a seguinte crítica do The New York Time: "Filme de degenerados, trabalho de degenerados." Sobre a película, ainda saiu um comentário de Bosley Crowther, um respeitado crítico da época, “Se gostar do incesto, da violação, da sodomia, do canibalismo, da degeneração, isto é um filme para você, este filme é repugnante.”

Dessa forma, o que o diretor Joseph L. Mankiewicz conseguiu fazer com o roteiro – já que não era possível falar explicitamente de tudo – foi criar um ambiente em que o espectador é levado a imaginar, a criar algumas realidades. É óbvio que mesmo antes da cena final, nós já conseguimos ter ideia da natureza do Sebastian e do seu relacionamento com sua mãe e prima. O elemento que fará toda a história vir à tona é o médico interpretado pelo Clift. Não é possível dizer que este é o seu melhor trabalho, mas sua performance equilibrada e concisa, se não o torna inesquecível nesse papel, também não atrapalha em nada a continuidade do filme.

‘De repente, no último verão’ é isso, uma conjunção de grandes estrelas e excelentes diálogos à moda de Mankiewicz. Tema visto como doentio na época daí muitas metáforas e mensagens nas entrelinhas, tudo bem, às vezes o roteiro beira o dramalhão, mas nada que apague a qualidade da marca do Tennessee Williams na trama. Enfim, é irregular, mas nunca monótono, e se no final nada te agradar, você não pode negar a perfeição dos atores, afinal de contas, estou falando da ‘santíssima trindade’.
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Suddenly, Last Summer (De Repente, No Último Verão), Estados Unidos - 1959. Dirigido por Joseph L. Mankiewicz. Com: Katharine Hepburn, Elizabeth Taylor, Montgomery Clift, Mercedes McCambridge. 114 minutos. Gênero: Drama.

Nota: 7.5

quarta-feira, 23 de março de 2011

Morre Elizabeth Taylor

terça-feira, 22 de março de 2011

Funny Girl (1968)

Foto 1 - Barbra Streisand em 'Funny Girl'

Musicais, realmente, não me atraem. Sempre fico irritado pelo fato das pessoas começarem a cantar do nada. Sem motivo aparente, elas são tomadas por algum tipo de ‘entidade cantora’, e saem desembestadas saltitando e entoando canções – muitas vezes chatas, vale enfatizar. E sem fugir a regra, Funny Girl é mais um deles. O filme é bastante irregular, há uma mescla do melhor do William Wyler com o pior do gênero. Em minha opinião, os melhores momentos da Barbra Streisand são quando ela não está cantando. Ou seja, quando ela está ou encenando comicamente – ela consegue realmente extrair algumas gargalhadas do expectador – ou quando está atuando dramaticamente. Além disso, o carisma da Streisand é inegável e, por isso, ela consegue encantar qualquer um. Novo talento – era o que a atriz era naquele momento -, boa atuação unido a carisma, com a marca da direção do Wyler fazem o filme não cambalear para o piegas. É interessante a tomada do Wyler na cena em que se faz uma paródia do ‘O Lago dos Cisnes’. Esse mesmo estilo pode ser visto em Jezebel quando Bette Davis e Henry Fonda estão no baile dançando a valsa, é simplesmente sensacional! Para finalizar o comentário sobre a película, eu digo que não é um filme memorável, no entanto, questões conjunturais o fazem ser lembrado. Uma dessas coisas é o Oscar da Streisand que foi dividido com a grande estrela Katharine Hepburn, sendo as duas as vencedoras do ano.

Irei tomar liberdade, e escrever sobre o ‘comandante’ Wyler. Ele possui doze indicações ao Oscar, na categoria direção, tendo vencido em três oportunidades. Além de ter recebido o Irving G. Thalberg Memorial Award – prêmio concedido a produtores de cinema cujo trabalho reflete constantemente uma produção de filmes de qualidade. Uma característica marcante nesse diretor, eu acredito que seja a valorização dos seus atores nas suas películas. Sem dúvida alguma, ele prezava pelas atuações de qualidade, onde a Barbra Streisand se inclui com sua ‘Funny Girl’. De um rápido levantamento feito por mim – ou seja, a informação pode estar incompleta, outros atores podem fazer parte dessa lista – em nove filmes dirigidos pelo Wyler, treze atores receberam um Oscar por suas atuações, sendo que sete na categoria principal de melhor ator/atriz. Ver tabela abaixo.

Tabela 1 - Na tabela figuram vários nomes de peso da sétima arte, todos eles foram dirigidos pelo William Wyler.
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Funny Girl (Funny Girl - A Garota Genial), Estados Unidos - 1968. Dirigido por William Wyler. Com: Barbra Streisand, Omar Sharif, Frank Faylen. 151 minutos. Gênero: Drama, Musical.

Nota: 7.0

segunda-feira, 21 de março de 2011

Hævnen / In a Better World (2010)

Foto 1 - Os protagonistas do filme

Imaginem um mundo regido pela Lei de Talião: olho por olho e dente por dente. Imaginem um lugar onde os indivíduos pudessem fazer justiça com as próprias mãos. Imaginem a lógica hobbesiana do ‘homem é lobo do próprio homem’ sendo aplicada a você ou aos seus familiares. Mesmo que em muitas circunstâncias essas noções pareçam justas, será que são tão neutras e será que não trazem consequências nocivas para o convívio em sociedade?

‘Em um mundo melhor’ temos duas realidades. Um médico, provavelmente, participante de algum programa de ajuda humanitário na África procura, não só ensinar ao filho que agressão não se responde com agressão, como no exercício da sua função, ser ético, mesmo quando isso é difícil. Por outro lado, temos duas crianças com seus 10/11 anos que acreditam que valentões não podem sair ilesos, daí passam a tratar o mal com um mal ainda maior, no intuito de não serem confundidos com covardes.

Temos um ótimo filme com esses temas aparentemente ordinários. No entanto, a combinação de uma direção segura da Susanne Bier, com um excelente elenco nos proporciona momentos de tensão, drama e reflexão. A cada momento, diretora e atores vão ultrapassando os limites da violência numa escala, onde mesmo que indiretamente, outras vidas/pessoas são incluídas. Claro que não são dadas respostas para todas as questões levantadas, mas Bier consegue puxar literalmente o espectador para dentro da trama. Não sei se estou ficando bobo, mas me deixei levar pelo roteiro. Em certas cenas, sabemos o que vai acontecer, no entanto, não ficamos menos surpresos quando os fatos ocorrem.

Um pouco fora do filme, mais um desabafo. No longa, vivenciamos uma relação de amor e ódio. Há uma criança bem mimada, cujo pai não toma nenhuma atitude. São esses lugares ‘politicamente corretos’, não há castigos, o menino sai a hora que quer de casa, brinca com o que quer. Se há algum jurista lendo esse texto, os pais não podem ser responsabilizados pelas atitudes dos filhos? Ainda mais quando de grandes proporções como a que vemos na película? No mesmo sentido, na mesma onda de atitudes corretas, enquanto existe um impasse na direção da escola em resolver os problemas de bullying, as crianças tomam suas próprias providências, e posteriormente a coordenação não sofre nenhum tipo de punição. Enfim, são apenas algumas coisas que revoltam, e que poderiam acontecer com qualquer um na vida real. Por tocar em questões bem relevantes e todo o resto discutido, é um filme que vale muito a pena ver! Só um comentário extra, é patético o Brasil querer competir com um filme dessa magnitude, mandando para a competição seu candidato: ‘Lula, o filho do Brasil’. É de fazer rir!
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Hævnen (Em um mundo melhor), Dinamarca/Suécia - 2010. Dirigido por Susanne Bier. Com: Mikael Persbrandt, William Jøhnk Nielsen, Markus Rygaard, Ulrich Thomsen, Trine Dyrholm. 119 minutos. Gênero: Drama.

Nota: 9.5

domingo, 20 de março de 2011

The Pervert's Guide to Cinema (2006)

Foto 1 - Cena do documentário que remete ao clássico 'Os Pássaros - 1963'

Essa versão é uma atualização de um texto que já escrevi com o título - Oscilando entre a "ficção" e a realidade – em um outro blog há quase três anos.

O seguinte texto versa sobre o filme, The Pervert's Guide to Cinema (2006), e tenta sistematizar os principais nexos lógicos que norteiam a trama. O autor promove uma discussão sobre grandes obras do cinema mundial, contrapondo-as as teorias da psicanálise. Realiza um debate de um lado enfatizando o que determinados filmes dizem sobre a construção das fantasias (ficção/realidade) humanas e por outro lado, como a psicanálise interpreta tais fenômenos. O meu intuito foi delinear os principais pontos de argumentação e tentar, na medida do possível, incrementar o debate com alguns conceitos sociológicos mesmo que de maneira rudimentar. Enfim, abaixo você encontrará algumas divagações próprias do Zizek e algumas oscilações da realidade minhas.

Slavoj Zizek é um filósofo lacaniano-marxista de Ljubliana, capital da Eslovênia. Tem escrito livros com temáticas com o cinema de Hitchcock, Lênin, a ópera, e os ataques terroristas de 11 de setembro. A meta da obra de Zizek é combinar a crítica marxista do capitalismo com informes psicanalíticos para desmascarar a forma como opera o capitalismo sobre a imaginação pública. Em 1990, Slavoj Zizek foi candidato a presidência da República da Eslovênia nas primeiras eleições democráticas do país.
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O problema a ser considerado aqui, não é responder se nossos desejos são saciados ou não! No entanto, é saber o que desejamos. Não há nada de espontâneo no desejo humano. Os desejos são artificiais (construto social), e devemos, portanto, aprender a desejar. O cinema é assim a arte pervertida por excelência. Ele não te dá aquilo que deseja, mas sim te diz como desejar.

Imagine uma cena onde diante dos seus olhos, uma atriz qualquer, vê vislumbrada os bastidores do que ocorre nos vagões de um trem. Observação, o trem continua em seu percurso, e é como se numa brecha do espaço-tempo, ela (atriz) permanecesse inerte e atenta a todos os movimentos dos vagões. Porém, mesmo diante de seus olhos, ela não pode interferir, pois é apenas um indivíduo passivo no processo construtivo da relação. Fazendo assim uma analogia ao que ocorre na relação direta entre espectador e a arte cinematográfica. Por fim, quando um rapaz que está em um dos vagões, oferece-lhe uma taça de bebida, é como se o filme - o macro - oferecesse a ela algo possível e acessível ao desejo.

Uma visão crítica lembra-nos que a realidade não se restringe aos momentos vividos. A realidade social é bem mais complexa do que nossos momentos particulares. Várias ações pretendidas ou não-pretendidas se reúnem num processo de síntese para a realidade tornar-se completa. A realidade é mostrada frente a frente à ficção. O autor defende que dentro da própria realidade há um quê de ficção. E o essencial está não em descartar a ficção, mas perceber a realidade que há dentro da ficção.
Numa análise psicológica, ele defende que procedimentos traumáticos, violentos ou que possuam gozo em demasia, produzem resultados internos que rompem com as "coordenadas da realidade". E que posteriormente são transformadas em processos intrinsecamente repletos de elementos da ficção.

No filme Os Pássaros (1963), a ação e o ataque dos pássaros nada mais é do que a interferência da estrutura social no âmbito particular. O filme retrata uma relação típica do complexo de Édipo mal resolvido. Tal realidade é interrompida pela chegada de um outrem que rompe com os valores compartilhados anteriormente. Ele analisa o fenômeno como sendo "a explosão do superego materno". Isso seria numa ótica da psicologia. Numa perspectiva sociológica, o fenômeno poderia ser interpretado como um processo de não-internalização das regras sociais ao longo do processo de socialização primária. O que culminaria em termos durkheimianos-parsonianos numa "anomia social". Tendo como conseqüências, os sentimentos de culpa ou como se a sociedade estivesse "esmagando" sua cabeça.

Ao analisar o filme Psicose (1960), Zizek problematiza a distribuição espacial onde se desenrola a trama e discute a caracterização dos sistemas de personalidade. Os níveis da psiquê estariam localizados da seguinte maneira: 1) o térreo seria o ego - o ambiente da normalidade, onde se respeita os padrões de comportamento social; 2) no primeiro andar encontra-se o superego maternal; e 3) no sótão temos o id. A relação entre o superego e o id é direta. O superego é uma entidade "obscena" que nos influencia com ordens impossíveis. Características fundamentais: 1) o superego é hiperativo; 2) o ego é racional, egoísta e calcula suas ações todo o tempo; e 3) o id é misterioso, porém, ao mesmo tempo em que é infantil e inocente, possui também um mal intrínseco.

A voz representaria a dimensão da possibilidade de controle das reações dos outros indivíduos. (Se possível, ler algo sobre o sociólogo canadense, Erving Goffman). Aqui, ele trata dos "objetos parciais" e autônomos. Explica que tais atitudes, em relação aos “objetos parciais” não são exteriores à sua "natureza". Elas, na verdade, fazem parte da sua personalidade. Esqueça o fato de que ao mesmo tempo em que se ouve pode-se ver a cena de um filme. Imagine, então, uma situação onde apenas o sentido da audição é possível, a imaginação decorre daquilo que você mesmo imagina que faria e não o que realmente acontece. Pois o que se passa não é necessariamente aquilo que você imagina, mas você imagina porque gostaria que passasse como você quer.

Por que precisamos do suplemento virtual da fantasia? O inconsciente - os desejos gerados no inconsciente geram culpa. A fantasia é produto do inconsciente, e como tal é um sonho. Quando a fantasia é realizada o que vem em mente é um sentimento de pesadelo. Em relacionamentos desta magnitude, o que vale e o que está em jogo são as circunstancias e o meio físico, não a outra pessoa em si.

Não existem emoções pré-determinadas. Todas elas, com exceção da ansiedade, como dita Freud, são construídas. Poderia então o cinema proporcionar a emoção da ansiedade? Para Zizek, o cinema é a arte das aparências. Ele nos diz algo sobre a realidade. Nos fala como se constitui a realidade. A realidade é constituída de maneira fetichista. Ou seja, determinados objetos encarnam significados que não necessariamente pertencem a eles. Em certas cenas, sabemos o que vai acontecer, no entanto, não ficamos menos surpresos quando os fatos ocorrem. Mesmo assim, o problema não se encontra no fato de não levarmos a sério aquilo que é apenas uma ficção. Mas é o contrário, o engano está em não levar a ficção em consideração. Ele cita o exemplo de indivíduos que escolhem em um jogo personagens para atuar. Dentre varias opções, o ator seleciona aqueles com características sádicas, ou estupradores, ou qualquer outra coisa. Na verdade, esse sujeito supre suas necessidades internas de maneira a minimizar suas carências reais, adotando características no jogo de uma pessoa forte e promiscua que representa uma auto-imagem falsa sua. Esta é a leitura ingênua. A interpretação mais rebuscada mostra que essa imagem falsa adotada representa o próprio "eu" do indivíduo. E que na vida real devido as sanções e normatizações sociais, não se pode deliberadamente liberá-las. Assim, precisamos de uma ficção para mostrar aquilo que realmente somos.
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The Pervert's Guide to Cinema (O Guia Pervertido do Cinema), Reino Unido, Austria, Holanda - 2006. Dirigido por Sophie Fiennes. Com: Slavoj Zizek. 150 minutos. Gênero: Documentário.

Nota: 9.0

terça-feira, 15 de março de 2011

Lixo Extraordinário (2010)

Foto 1 - Um dos sensacionais quadros do documentário

Duas coisas chamam atenção em ‘Lixo Extraordinário’, a primeira é o estranhamento inicial do Vik Muniz e dos que lhe rodeia ao saber do seu novo projeto, e a segunda, é a revelação de uma realidade que parece tão distante para nós. Sem dúvida alguma, o artista plástico conseguiu se reinventar e produzir um trabalho tão original quanto suas outras criações. Quem imaginaria que do lixo poderia surgir quadros tão singelos, leves e belos? Mais que fazer sua arte, Muniz mostrou o capital humano, nos presenteou com histórias de vida de pessoas sofridas, humildes e batalhadoras. E ao mesmo tempo, ficou preso a um dilema: O que fazer, ou o que será dessas pessoas após o trabalho que desenvolveram? Mesmo que todos se orgulhem da sua profissão de catador de material reciclável, alguns deles enfatizavam que aquilo não é vida para ninguém. Essas questões são juntamente mostradas ao processo criativo dos futuros quadros.

O ‘incrível’ é como os catadores trabalham a total revelia do poder público. Aparentemente, o problema não é trabalhar com lixo, no entanto, são as condições materiais e a degradação física que essas pessoas estão submetidas. Ninguém tem dúvida do n número de doenças a que elas estão expostas. Não há roupas apropriadas para o manejo do material, não há um serviço médico, nem mesmo básico. Por exemplo, há uma série de vacinas que eles deveriam tomar, e que provavelmente não foram tomadas, às vezes, até mesmo por desinformação. Imaginem o índice de mortalidade que não deve haver entre esse grupo! Um deles mesmo morreu, não sei se por conta do seu trabalho – a causa final foi câncer de pulmão – mas sabe-se lá. Não há um projeto educacional, e como se sabe, há uma reprodução das condições de vida, ou seja, a herança familiar interfere diretamente no nível de cultura que as novas gerações receberão. Não há nenhuma assistência familiar, a jovem retratada, com dezenove anos, já era mãe de duas crianças e ao final, estava esperando um terceiro.

O documentário tem o mérito de chamar atenção para várias facetas do mundo. Várias problemáticas são consideradas: a questão da produção absurda de lixo e da reciclagem, as condições desumanas de vida das pessoas, o descaso do poder público, a reivindicação de direitos através de um movimento oriundo dos catadores, o encontro com o outro (no sentido antropológico), a fama, e tantos outros aspectos. O documentário consegue captar e transmitir sentimentos, sem ser sentimentalóide. Vemos que todos ali estão aptos a acertar, errar, se arrepender e se recuperar, ou cair no mesmo ou em um novo erro. Mas pelo menos, todos os participantes das filmagens, ao menos, buscam uma única coisa: uma vida melhor. Muniz com esse projeto demonstra não apenas ter ajudado aos personagens da história, como também, ter sido completamente transformado por eles. ‘Lixo Extraordinário’, em suma, é tão bom quanto o próprio trabalho artístico do Vik Muniz!

Para acessar o site do documentário, clique aqui.
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Lixo Extraordinário, Brasil/Reino Unido - 2010. Dirigido por Lucy Walker. Com: Vik Muniz. 99 minutos. Gênero: Documentário.

Nota: 9.0

segunda-feira, 14 de março de 2011

Salò o le 120 giornate di Sodoma (1976)

Foto 1 - Cena do filme Salò o le 120 giornate di Sodoma

Numa Itália em pleno regime totalitário, Pasolini disserta sobre o descontrole do poder em um verdadeiro ‘teatro dos horrores’. Um grupo de importantes personalidades da sociedade italiana ligadas à Igreja e ao Estado se une para realizar os seus desejos mais íntimos e indizíveis. Esse é um filme que desperta no espectador sensações – as mais diversas e imagináveis - associado ao fato que Pasolini filma tudo com realismo extremo. É verdade, qualquer um poderia classificar o filme como nojento, sádico, repugnante ou adjetivos que os valham. E certamente, você não estaria errado/a. A verdade é que o diretor - sempre crítico nas suas produções - tem uma mensagem por trás de toda essa encenação. Não à toa, a película se passa em pleno regime de Mussolini, e os protagonistas são figuras ligadas a altos escalões do governo e à Igreja Católica Romana.

Após ver o filme, surgem questões: Existem instintos? O que é o poder absoluto de uns sobre outros? O que pode causar o poder quando não controlado? Fantoches é isso que se torna uma pessoa em uma situação caótica, como a mostrada em '120 dias de Sodoma'. Ressalva é necessária porque há alguns ‘fantoches’ que dependendo do cenário proposto pelo executor, também sente prazer. Há algumas cenas que evidenciam essa realidade. Contudo, em algumas das discussões fala-se que o prazer não está na morte dos indivíduos, mas na possibilidade de repetir determinada ação infinitas vezes. Ou seja, o sofrimento do outro é um elemento fundamental para a realização dos desejos dos executores.

Além disso, e o mais importante, ela é uma película que nunca ficará datada. Afinal de contas, ela trata da hipocrisia tão bem disfarçada naquela sociedade, sociedade que tem como alicerces a moral, a religião e os bons costumes. Não é um filme para todos os estômagos, quem quer vê-lo por pensar na excitação que as cenas de nudez podem proporcionar irá se decepcionar, principalmente, à medida que o longa se desenvolve e juntamente as perversões. O que é preciso enfatizar é que o diretor desenvolve uma alegoria do momento político que a Itália, em particular, e o mundo, em geral, viviam. O filme é um espetáculo de torturas, humilhações e morte que se confunde perfeitamente com a barbárie para além dos muros do Cinema – cujo espectador vivia. Não é sem propósito que dentro da casa apenas o sexo forçado é aceito. Assim, o sadomasoquismo é a expressão máxima da opressão/imposição e, portanto, qualquer relação que fuja a esse princípio torna-se discriminável e passível à morte. Ao ver ‘120 dias de Sodoma’, tentem esquecer o escatológico, e reflitam sobre o mundo nos idos dos anos de 1940, você verá que a película fará bem mais sentido.
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Salò o le 120 giornate di Sodoma (Saló ou os 120 Dias de Sodoma), França/Itália - 1976. Dirigido por Pier Paolo Pasolini. Com: Paolo Bonacelli, Giorgio Cataldi, Umberto Paolo Quintavalle, Aldo Valletti. 117 minutos. Gênero: Drama.

Nota: 9.0

sábado, 12 de março de 2011

Aos 474 anos do Recife

Frevo n. 1 do Recife:



Frevo n. 3 do Recife:




Recife, cidade lendária:


sexta-feira, 11 de março de 2011

Le Petit Nicolas (2009)

Foto 1 - Nicolas com seu pai e sua mãe

‘Le Petit Nicolas’ é um filme leve, envolvente e divertido. Nos 90 minutos de película, o pequeno Nicolas, junto com seus amigos da escola tentam criar uma estratégia para dar fim ao terror que atormenta o garoto (não irei mencionar qual é este dilema, mesmo que o diretor não faça questão de escondê-lo por muito tempo). Nicolas acredita que terá o mesmo destino ‘misterioso’ do seu amigo, daí então conhecemos o seu dia-a-dia no colégio e em casa com os seus pais. Formado basicamente por atores mirins, eles não deixam nada a desejar. Da mesma forma, os demais atores que compõe o elenco também são ótimos. Às vezes, a forma como a história é contada me parece com a de ‘O Fabuloso Destino de Amélie Poulain’ – e isso não é nenhuma crítica, apenas uma observação. Na verdade, também gosto do filme anteriormente citado. Por fim, ‘Le Petit Nicolas’ é um filme sem ressalvas, ou seja, cumpre o que promete, nós não criamos expectativas megalomaníacas e nem somos levados a tê-las, é uma película extremamente recomendável!
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Le Petit Nicolas (O Pequeno Nicolas), França - 2009. Dirigido por Laurent Tirard. Com: Maxime Godart, Valérie Lemercier, Kad Merad, Sandrine Kiberlain. 91 minutos. Gênero: Comédia.
Nota: 8.5

quinta-feira, 3 de março de 2011

Milk (2008)

Foto 1 - Sean Penn como Milk

Milk mais do que um filme biográfico é um exemplo do fazer política e reivindicar direitos. A provável intenção do Gus Van Sant não era polemizar sobre a vida pessoal do protagonista, mas sim, discutir o papel de líder e as repercussões de seu ativismo para o meio gay norte-americano. Entretanto, é óbvio que figuras do seu meio íntimo sejam retratas, e que algumas passagens do seu cotidiano, não como político, faça-se presente no longa. Ora, ele construiu seu nome com o apoio de colegas, logo, essas pessoas são essenciais na trama.

O diretor não usa uma linguagem alternativa e experimental, mas tampouco segue a linha convencional. Ele na verdade mescla essas duas estéticas, e o resultado é um filme de linguagem tradicional com elementos experimentais e arrojados. Além disso, ele inclui noções da linguagem documental. Essa estética híbrida possibilita uma versatilidade e um dinamismo na condução da história. A proposta de Van Sant funciona perfeitamente, o que vemos é a importância da militância gay e a vida política do protagonista. É claro que Sean Penn é um dos fatores que fazem de Milk um grande trabalho. Penn não é uma reprodução de Harvey Milk, o ator consegue mergulhar no personagem, compreendendo suas atitudes, sentimentos, gestos, para ai poder reinventá-lo. Não tem como não prestar atenção no Milk de Penn quando ele diz: “My name is Harvey Milk and I want to recruit you.”

Li algumas críticas que falavam que o filme não consegue ser arrebatador. Bom, se as pessoas não conseguem ver na organização política nenhuma forma de explosão de emoções, se ninguém enxerga no desejo de mudança, no anseio por direitos, alguma forma de expressão genuína e avassaladora, eu realmente acredito que elas esperavam por uma película que contasse as experiências sexuais do protagonista.

O filme tenta mostrar aquilo que a grande maioria das pessoas ignorantes não consegue ver: os homossexuais são iguais a todos, tem os mesmos direitos e não devem ser tratados de forma distinta. A sexualidade de uma pessoa, assim como sua cor de pele, seu credo, sua condição social, sua região, seu sexo, não faz dela melhor ou pior. Mostrar isso é a função do filme em que se insere Milk, e isto é que faz da película e do personagem grande. Ao fim e ao cabo, este é um filme com uma temática específica - movimento gay, mas que fala a qualquer minoria, ele tem uma função mais geral. Afinal de contas, estamos falando de direitos inalienáveis e igualdade.
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Milk (Milk - A Voz da Igualdade), Estados Unidos - 2008. Dirigido por Gus Van Sant. Com: Sean Penn, James Franco. 128 minutos. Gênero: Biografia, Drama.

Nota: 9.5