domingo, 20 de março de 2011

The Pervert's Guide to Cinema (2006)

Foto 1 - Cena do documentário que remete ao clássico 'Os Pássaros - 1963'

Essa versão é uma atualização de um texto que já escrevi com o título - Oscilando entre a "ficção" e a realidade – em um outro blog há quase três anos.

O seguinte texto versa sobre o filme, The Pervert's Guide to Cinema (2006), e tenta sistematizar os principais nexos lógicos que norteiam a trama. O autor promove uma discussão sobre grandes obras do cinema mundial, contrapondo-as as teorias da psicanálise. Realiza um debate de um lado enfatizando o que determinados filmes dizem sobre a construção das fantasias (ficção/realidade) humanas e por outro lado, como a psicanálise interpreta tais fenômenos. O meu intuito foi delinear os principais pontos de argumentação e tentar, na medida do possível, incrementar o debate com alguns conceitos sociológicos mesmo que de maneira rudimentar. Enfim, abaixo você encontrará algumas divagações próprias do Zizek e algumas oscilações da realidade minhas.

Slavoj Zizek é um filósofo lacaniano-marxista de Ljubliana, capital da Eslovênia. Tem escrito livros com temáticas com o cinema de Hitchcock, Lênin, a ópera, e os ataques terroristas de 11 de setembro. A meta da obra de Zizek é combinar a crítica marxista do capitalismo com informes psicanalíticos para desmascarar a forma como opera o capitalismo sobre a imaginação pública. Em 1990, Slavoj Zizek foi candidato a presidência da República da Eslovênia nas primeiras eleições democráticas do país.
-------------------------------------------------------------------------------------------------
O problema a ser considerado aqui, não é responder se nossos desejos são saciados ou não! No entanto, é saber o que desejamos. Não há nada de espontâneo no desejo humano. Os desejos são artificiais (construto social), e devemos, portanto, aprender a desejar. O cinema é assim a arte pervertida por excelência. Ele não te dá aquilo que deseja, mas sim te diz como desejar.

Imagine uma cena onde diante dos seus olhos, uma atriz qualquer, vê vislumbrada os bastidores do que ocorre nos vagões de um trem. Observação, o trem continua em seu percurso, e é como se numa brecha do espaço-tempo, ela (atriz) permanecesse inerte e atenta a todos os movimentos dos vagões. Porém, mesmo diante de seus olhos, ela não pode interferir, pois é apenas um indivíduo passivo no processo construtivo da relação. Fazendo assim uma analogia ao que ocorre na relação direta entre espectador e a arte cinematográfica. Por fim, quando um rapaz que está em um dos vagões, oferece-lhe uma taça de bebida, é como se o filme - o macro - oferecesse a ela algo possível e acessível ao desejo.

Uma visão crítica lembra-nos que a realidade não se restringe aos momentos vividos. A realidade social é bem mais complexa do que nossos momentos particulares. Várias ações pretendidas ou não-pretendidas se reúnem num processo de síntese para a realidade tornar-se completa. A realidade é mostrada frente a frente à ficção. O autor defende que dentro da própria realidade há um quê de ficção. E o essencial está não em descartar a ficção, mas perceber a realidade que há dentro da ficção.
Numa análise psicológica, ele defende que procedimentos traumáticos, violentos ou que possuam gozo em demasia, produzem resultados internos que rompem com as "coordenadas da realidade". E que posteriormente são transformadas em processos intrinsecamente repletos de elementos da ficção.

No filme Os Pássaros (1963), a ação e o ataque dos pássaros nada mais é do que a interferência da estrutura social no âmbito particular. O filme retrata uma relação típica do complexo de Édipo mal resolvido. Tal realidade é interrompida pela chegada de um outrem que rompe com os valores compartilhados anteriormente. Ele analisa o fenômeno como sendo "a explosão do superego materno". Isso seria numa ótica da psicologia. Numa perspectiva sociológica, o fenômeno poderia ser interpretado como um processo de não-internalização das regras sociais ao longo do processo de socialização primária. O que culminaria em termos durkheimianos-parsonianos numa "anomia social". Tendo como conseqüências, os sentimentos de culpa ou como se a sociedade estivesse "esmagando" sua cabeça.

Ao analisar o filme Psicose (1960), Zizek problematiza a distribuição espacial onde se desenrola a trama e discute a caracterização dos sistemas de personalidade. Os níveis da psiquê estariam localizados da seguinte maneira: 1) o térreo seria o ego - o ambiente da normalidade, onde se respeita os padrões de comportamento social; 2) no primeiro andar encontra-se o superego maternal; e 3) no sótão temos o id. A relação entre o superego e o id é direta. O superego é uma entidade "obscena" que nos influencia com ordens impossíveis. Características fundamentais: 1) o superego é hiperativo; 2) o ego é racional, egoísta e calcula suas ações todo o tempo; e 3) o id é misterioso, porém, ao mesmo tempo em que é infantil e inocente, possui também um mal intrínseco.

A voz representaria a dimensão da possibilidade de controle das reações dos outros indivíduos. (Se possível, ler algo sobre o sociólogo canadense, Erving Goffman). Aqui, ele trata dos "objetos parciais" e autônomos. Explica que tais atitudes, em relação aos “objetos parciais” não são exteriores à sua "natureza". Elas, na verdade, fazem parte da sua personalidade. Esqueça o fato de que ao mesmo tempo em que se ouve pode-se ver a cena de um filme. Imagine, então, uma situação onde apenas o sentido da audição é possível, a imaginação decorre daquilo que você mesmo imagina que faria e não o que realmente acontece. Pois o que se passa não é necessariamente aquilo que você imagina, mas você imagina porque gostaria que passasse como você quer.

Por que precisamos do suplemento virtual da fantasia? O inconsciente - os desejos gerados no inconsciente geram culpa. A fantasia é produto do inconsciente, e como tal é um sonho. Quando a fantasia é realizada o que vem em mente é um sentimento de pesadelo. Em relacionamentos desta magnitude, o que vale e o que está em jogo são as circunstancias e o meio físico, não a outra pessoa em si.

Não existem emoções pré-determinadas. Todas elas, com exceção da ansiedade, como dita Freud, são construídas. Poderia então o cinema proporcionar a emoção da ansiedade? Para Zizek, o cinema é a arte das aparências. Ele nos diz algo sobre a realidade. Nos fala como se constitui a realidade. A realidade é constituída de maneira fetichista. Ou seja, determinados objetos encarnam significados que não necessariamente pertencem a eles. Em certas cenas, sabemos o que vai acontecer, no entanto, não ficamos menos surpresos quando os fatos ocorrem. Mesmo assim, o problema não se encontra no fato de não levarmos a sério aquilo que é apenas uma ficção. Mas é o contrário, o engano está em não levar a ficção em consideração. Ele cita o exemplo de indivíduos que escolhem em um jogo personagens para atuar. Dentre varias opções, o ator seleciona aqueles com características sádicas, ou estupradores, ou qualquer outra coisa. Na verdade, esse sujeito supre suas necessidades internas de maneira a minimizar suas carências reais, adotando características no jogo de uma pessoa forte e promiscua que representa uma auto-imagem falsa sua. Esta é a leitura ingênua. A interpretação mais rebuscada mostra que essa imagem falsa adotada representa o próprio "eu" do indivíduo. E que na vida real devido as sanções e normatizações sociais, não se pode deliberadamente liberá-las. Assim, precisamos de uma ficção para mostrar aquilo que realmente somos.
-------------------------------------------------------------------------------------------------
The Pervert's Guide to Cinema (O Guia Pervertido do Cinema), Reino Unido, Austria, Holanda - 2006. Dirigido por Sophie Fiennes. Com: Slavoj Zizek. 150 minutos. Gênero: Documentário.

Nota: 9.0

0 comentários:

Postar um comentário