quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Luto é diferente de culpa

Foto 1 - Cena inicial do longa O Anticristo (2009)

*O comentário a seguir revela alguns pontos do filme.


Luto é diferente de culpa, essa foi a primeira coisa que pensei ao ver o choro de Charlotte Gainsbourg. O filme O Anticristo (2009) é uma tradução das realidades humanas. Ele incita questões como: Mais vale o prazer que a razão? Quais as consequencias de escolher o prazer a obrigação? Grande parte do longa você fica sem entender nada. Tudo se encaminha para um grande "pastelão". Mas, uma cena nos revela tudo. Toda a aparente loucura começa a fazer sentido. Descobrir que Charlotte tinha conhecimento que o filho acordava durante à noite e que o mais agravante, antes do suicídio do garoto, tinha o visto, mas preferiu o prazer a cuidar dele, muda completamente a interpretação sobre a trama.

O que é conviver com o sentimento de culpa? O casal interpretado por Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe vive em um ambiente bastante hóstil. Pelo mostrado, pouco dialogam e por isso, possuem vários segredos. Como por exemplo, Dafoe não sabia que a esposa não acabara sua tese, mesmo tendo criticado anteriormente, a relevância do trabalho. Ou seja, total indiferença frente ao sucesso dela. Além disso, é bastante arrogante, intelectualmente falando, apenas a razão explica a realidade, essa é a sua visão. Sabendo que podia ter evitado o acidente que ocasionou a morte do filho ela passa a se privar do prazer. É isso mesmo! O fato dela durante o filme mostrar-se uma compulsiva por sexo, não significa que sentia prazer com ele. Pelo contrário, tentava através dele escapar da dura realidade, pois no momento da morte do filho, eles estavam transando.

Depois disso, passa a se punir chegando à loucura. Todas as multilações que faz contra si e contra o marido é resultado da sua auto-sanção. Entre passagens onde é difícil distinguir se são reais ou imaginárias, vemos a imagem da dor, da angústia, do medo e da CULPA. Luto segundo o dicionário Sacconi é uma manifestação formal e convencional de tristeza ou pesar pela morte de uma pessoa. A mãe da qual falo nesse post tem uma dificuldade imensa de superar esse estado. Com uma bela fotografia durante a película, uma cena mostra o que acabo de escrever. É a cena em que ela tenta atravessar uma ponte, mas não consegue. Uma ponte como todo mundo sabe é uma construção sobre um curso de água (obstáculo) que permite a passagem de uma margem a outra. Figurativamente, a falta de capacidade em transpor este obstáculo indica que há algo de estranho nesse luto, que é normal, mas é um rito de passagem. Por isso, sua culpa, que segundo o dicionário Sacconi, e que é mostrado na película do Lars von Trier é um ato ou omissão que merece severo castigo ou rigorosa repreensão.

Ela é uma mãe relapsa que possuia a mania de calçar os sapatos do filho de forma trocada. Isso, provavelmete, há muito tempo, visto que a criança desenvolveu uma deformidade óssea em um dos pés. Uma hipótese é que era proposital, e que de fato, sua escolha pelo prazer já estivesse preanunciada. Isso fica evidente quando Defoe fala que muitas mulheres foram mortas no século XVI, mesmo sendo inocentes (isso porque o tema de estudo dela era o feminicídio). E logo depois disso, a sua esposa fala que as mulheres em natureza são falsas. Quando não olho a olho, pelas costas. Daí sua discussão sobre a natureza boa ou má da humanidade. Daí também o proposital nome do jardim, Éden, onde segundo a tradição judaico-cristã nasce o mal, e o pecado original.

Concordo que há alguns problemas no longa, principalmente, aos "acidentes" que ocorrem nele. Não há quem suporte a dor de ter o pênis praticamente esmagado, e a tíbia transpassada. Não há quem saísse se arrastando após isso, e ainda ter entrado em um buraco. Chegando no buraco, ele tem uma caixa de fósforos, como se fosse normal as pessoas andarem com isso. Entretanto, Lars von Trier mostra como o sentimento de culpa desemboca em eventos que ou levam à loucura ou à morte. Dor, angústia e luto são acentuados quando percebemos nossa culpa. Para além do caso específico do filme, sua realidade, há uma temática trazida à tona com um tom aparentemente nonsense, para quem quiser vê-lo assim. O Anticristo (2009) é a tradução não apenas da dor, mas da dor acentuada pela culpa. Não é um filme de terror, mas um longa que mostra os horrores humanos.

Para ler o livro do Friedrich Nietzsche que tem como título, o mesmo do filme, clique aqui.

4 comentários:

Pedro Henrique Gomes disse...

Rende muitas horas no bar esse filme, não? Gostei da sua visão do filme.

Abs!

asadebaratatorta disse...

gostaria muito de conseguir ler isso que vc escreveu. mas tô aéreo e desfocado hj, depois de ler 40 páginas de Levinas.
By the way, comprei Nietzsche a preço de banana na bienal. Quem diria.
Mais contraditório que isso seria comprar Marx a preço de beringela. abraço

Vinícius P. disse...

Ainda não vi o filme, mas estou curioso por todas as discussões que ele gerou...

Santiago. disse...

Pedro Henrique, com certeza, na companhia de bons amigos e uma boa cerveja, o papo rende muito mais. Apesar de que todas as vezes que uso essa expressão é para menosprezar alguma coisa. Tipo, Sociologia de botequim e sinônimas. Acho que o núcleo duro do filme não deve ser discutido no bar, mas em nossos blogs, como fizemos. Também o convido a passar sempre por aqui. Abraço.

Raphael, hahaha, hoje em dia, não sei quem é mais barato Marx ou a beringela. Que nos diga Che Guevara. Abração.

Vinícius, se posso te aconselhar algo, não perca de assistí-lo, todas as opiniões são válidas. Quando o ver, escreva no seu blog, quero saber qual foi a sua impressão. Abraço.

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